Assim que terminou o livro de ensaios “Má feminista”, best-seller que fez sua fama mundial, a escritora americana Roxane Gay começou a pensar em qual seria o seu próximo projeto de não-ficção. Entre todas as suas experiências como professora universitária, mulher negra, bissexual e filha de imigrantes haitianos, Roxane percebeu que o assunto que menos lhe deixava à vontade para discutir publicamente era o seu peso.
— Nesse momento, percebi que a coisa que eu mais precisava falar era, de fato, sobre ser gorda. Existem tão poucos livros sobre a realidade de ser obeso — explica Roxane, que mede 1,90 m e chegou a pesar 262 kg, por e-mail.
Por isso mesmo, em “Fome”, lançado este mês pela Globo Livros, a escritora avisa logo de cara que a obra não é sobre uma história de superação. E, sem medo do “sincericídio”, admite que gostaria muito mais de escrever sobre uma perda de peso triunfante ou sobre como conseguiu aceitar completamente o próprio corpo como ele é. Ao invés disso, ela constrói uma espécie de autoanálise em que investiga o que lhe levou à obesidade.
O momento mais pungente é quando Roxane narra o seu estupro por um grupo de garotos, entre eles o adolescente por quem era apaixonada. Assim como tantas vítimas, a escritora foi tomada por um sentimento de culpa e vergonha que lhe levou a comer compulsivamente. Engordar, cortar os cabelos e usar roupas masculinas, ela explica, foi a solução que sua versão adolescente encontrou para proteger seu corpo de novos abusos, transformando-o em uma “fortaleza”. No entanto, o que ela conseguiu com isso foi um ciclo de experiências traumáticas, entre relacionamentos abusivos e crises de bulimia, que só agora, depois de passar dos 40 anos, ela conseguiu encontrar forças para quebrar de vez.
![A escritora Roxane Gay: relação com o corpo é tema de novo livro, 'Fome' Foto: Eva Blue / Divulgação](https://ogimg.infoglobo.com.br/in/22080652-1c3-330/FT1086A/A-escritora-Roxane-Gay.jpg)
Hoje uma das principais vozes da atual “terceira onda” do feminismo, Roxane ainda vê com pessimismo a questão da aceitação do corpo, mesmo com a entrada de palavras como “gordofobia” no cotidiano.
— A palavra gordofobia existe há muito tempo, mas apenas nos últimos anos começou a ser usada de forma ampla. Ativistas da aceitação do corpo usam o termo há décadas. Mesmo assim, o estado atual dessa bandeira é bastante desalentador. Há maior conscientização, mas isso não se traduziu em maior empatia entre as pessoas, e nem a comunidade médica repensou a forma como trata corpos gordos — critica a escritora, que também vê com ressalvas o boom do mercado plus-size.
“A verdade é que a maioria das modelos plus-size não é realmente plus-size. Elas apenas não vestem 34 ou 36”
— A verdade é que a maioria das modelos plus-size não é realmente plus-size. Elas apenas não vestem 34 ou 36 — argumenta. — Mas a diversidade de corpos na cultura popular é importante. Eu aguardo pelo dia em que mulheres de todos os tamanhos que modelam sejam chamadas, simplesmente, de modelos. Não sei se é empoderamento o que acontece quando mulheres veem corpos que se parecem com os seus na publicidade. O que eu sei com certeza é que é importante ver mais do que apenas corpos magros — defende Roxane, que encerra com conselhos para que outras meninas não precisem passar pelas experiências que ela enfrentou.
— Não tente mudar as pessoas gordas. Não fique sempre dando dicas sobre dietas. Não reclame sobre o quanto elas comem ou sobre o quanto de exercícios elas fazem ou não. Deixe elas viverem.
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