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Celina

Thais Carla: 'Nas novelas, mulheres gordas são sempre empregadas ou engraçadas, nunca protagonistas'

Com mais de 2,5 milhões de seguidores no Instagram, bailarina que já trabalhou com Anitta luta contra a gordofobia e quer reeducar as pessoas: 'Você tem que se olhar com amor'
Thais Carla Foto: Reprodução/Instagram
Thais Carla Foto: Reprodução/Instagram

Um velho ditado diz que "se deve dançar conforme a música", uma referência a seguir as regras e se encaixar em padrões e expectativas da sociedade. A bailarina e influenciadora Thais Carla, de 29 anos, dança desde os 4 e segue apenas as regras da música, sem ligar tanto para padrões e expectativas sociais. Muitas vezes a única bailarina gorda nos grupos de que participou, Thais teve o apoio da família para realizar o sonho de dançar profissionalmente e se agarrou em sua própria representatividade para seguir em frente. O esforço deu resultado e ela chegou a integrar o balé da cantora Anitta.

Thais Carla em férias na Bahia Foto: Infoglobo
Thais Carla em férias na Bahia Foto: Infoglobo

Casada e com duas filhas, ela também é influenciadora digital e acumula 2,5 milhões de seguidores no Instagram. Para Thais, sua missão é “educar os olhos” das pessoas para que entendam que cada corpo tem sua beleza e que os padrões pouco importam. A bailarina faz sempre questão de ressaltar que o peso não é um impedimento para que alguém seja amado ou feliz.

CELINA: Hoje, na era da influência digital, quase todo mundo se inspira em alguém. Quem te influenciava quando isso não existia?

Thais Carla : Foi muito difícil quando eu era mais nova porque meu círculo de amizades sempre foi de pessoas magras já que eu dançava. Sempre fui a única gorda em tudo: ciclo de amigos, na minha família, no meu trabalho na dança. Não teve alguém para quem eu olhasse e falasse “Caramba, essa pessoa me representa”, como acontece hoje, com tanta gente que pode representar os corpos gordos. Era minha mãe quem me dava força, minha irmã quem me botava para cima. Minha família sempre me disse que se eu queria algo, deveria buscar e não ficar com medo ou triste com o que as pessoas iam falar. A representatividade veio de dentro de mim; o mundo da dança é extremamente tóxico, então foi difícil.

Qual é o critério que você usa para decidir se posta algo?

Meu critério é mostrar para as pessoas que elas têm que se enxergar lindas do jeito que são, não importa se são muito magras ou muito altas. Meu objetivo é educá-las para se olharem e pensarem “caraca, ela é gorda e tá mostrando a barriga e o peito caído dela! Por que eu não posso ser assim? Por que eu fico buscando essa perfeição que não existe?”. Por mais que sejamos os que mais fazem cirurgia plástica no mundo, o brasileiro não tem dinheiro. Então por que não educar os olhos? Lembrando que não estamos falando de saúde, o ponto aqui é saúde mental. A gente está falando de as pessoas se enxergarem bonitas.

O que faz você seguir alguém nas redes sociais ou deixar de seguir?

Coisas que não existem, tipo gente que acorda às 7h e já fez mil coisas em duas horas, por exemplo. Eu tenho duas filhas e eu sei como é difícil ir para a academia à noite ou tentar acordar muito cedo. Quando uma delas dorme bem, a outra pode estar com cólica. É uma loucura, ainda mais na pandemia. É claro que eu sigo muitos amigos, mas também sigo gente que me faz enxergar o mundo com outros olhos, que acrescenta a minha vida. Eu tenho um nicho de pessoas que sigo, gosto de ver e de comentar. Tento entender também que existem pessoas de todos os tipos, de corpos parecidos, mas nunca iguais.

Na sua opinião, há representatividade da mulher gorda na mídia?

Existe muita falta de representatividade na internet. Você vê poucas pessoas em destaque quando deveriam ser milhares. Numa campanha vemos um gordo, mas por que não colocar mais? Por que corpos como o meu não saem em capas de revista? Por que não somos protagonistas de novelas? Colocam no máximo a curve , que só tem uma barriguinha, veste um G. Mas por que não colocam a gorda real? Cadê a gorda real? Nas novelas, a gorda é sempre a empregada ou a engraçada, nunca é a mulher que todo mundo almeja ser, a mulher admirada por todos.

O que diria para mulheres jovens com corpos fora do padrão?

A primeira coisa é parar de seguir quem fica exaltando o corpo magro, quem diz que a única forma de ser feliz é sendo magra. Siga pessoas que são como você, gordas ou baixas, que vivem o que você vive. Parece que as pessoas gostam de seguir gente tóxica para ficar na ilusão de que só vão ser felizes se fizerem uma lipo ou um preenchimento. Acho que, para mudar, é preciso viver num ambiente mais saudável e menos hostil. Eu sempre falo para as pessoas se olharem no espelho e verem como são bonitas. Sei que é difícil quando você está acostumada a achar que só as capas de revista são bonitas. A sociedade coloca a gente para baixo, mas não é assim. Você tem que se olhar com amor.

Como aborda a questão do corpo com as suas filhas?

Converso muito e não tenho receio de mostrar meu corpo a elas. Minha filha mais velha me abraça e diz “ai que gostoso, mãe” e, ao ver uma pessoa gorda na rua, diz “que coisa linda”. Elas vêm de uma família interracial, o pai delas é negro e eu sou branca, então estou sempre ensinando que pessoas são lindas do jeito que são. Todos nós somos diferentes, mas ao mesmo tempo somos iguais, não podemos ficar distinguindo. Tento fazer elas entenderem que não é a cor que as define, mas sim quem são de verdade.

Como você enxerga o exercício físico, considerando que muita gente acha que serve só para emagrecer?

Eu penso em exercitar meu corpo e minha mente. Fazer atividade física é bom, prazeroso e libertador. Você tem uma limitação e evolui semana após semana até aquilo deixar de ser uma limitação. Atividade física não é punição nem obrigação. Uma amiga me perguntou outro dia como começar a malhar. Eu disse que um dia você caminha, percebe o que acha daquilo, faz uma arte marcial para descontar a raiva... Faça algo que te dê prazer e, quando vir, já está viciada. Vá fazendo pela sua saúde e não para emagrecer.

Como foi ser bailarina da Anitta?

Eu tive toda uma trajetória desde os 17 anos, no Faustão e depois no Legendários, até chegar a Anitta. O povo meio que já me conhecia das redes sociais, da TV, então foi tranquilo. Uma cantora como a Anitta ter colocado duas bailarinas gordas foi fundamental para mim. Se todos os cantores pensassem assim, se toda a Broadway pensasse assim, as coisas seriam diferentes. Anitta sempre me tratou muito bem, e até hoje me segue no Instagram e curte algumas coisas que posto. Sempre fico chocada quando isso acontece! É muito gostosa essa troca, eu respeito muito o trabalho dela e ela o meu. As pessoas que dançam com a Anitta são muito diversas, me amavam e me exaltavam. Meu ambiente de trabalho foi muito saudável com ela.

Para você, como funciona o combate à gordofobia?

Eu luto contra a gordofobia desde muito antes de saber que a palavra existe. Em todos os concursos de que participei, sempre fui a única gorda e sempre ganhei prêmios. Então, por mais que eu seja gorda, as pessoas sempre pensaram “nossa, ela tem um corpo fora do padrão, mas dança muito bem”. Gosto de levar informação de um jeito não agressivo e bem-humorado. Hoje, vejo muitas influenciadoras dizendo que sofrem gordofobia, mas não sofrem, e infelizmente isso dá mídia. Tem gente que não sofre gordofobia, mas ainda diz que é pioneira no assunto.

*Estagiária sob supervisão de Leda Antunes