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'Tive namorado que disse que mulher preta e gorda ele não apresentava à mãe', conta participante do concurso Deusa Plus Size

A vida sexual e amorosa das gordinhas é cercada de preconceitos e mitos. Seis mulheres contam suas histórias, entre bullying e construção da autoestima: 'Se não sou boa o suficiente para relacionamento, não sou para cama', afirmam
Gordinhas estão ganhando autoestima e se livrando de relacionamentos tóxicos Foto: Arte sobre divulgação Concurso Deusa Plus Size
Gordinhas estão ganhando autoestima e se livrando de relacionamentos tóxicos Foto: Arte sobre divulgação Concurso Deusa Plus Size

RIO - Uma mulher bonita e inteligente namorava um rapaz há três meses. Até que um dia ela perguntou a ele por que não era apresentada a amigos ou família. Ele confessou: sentia vergonha porque ela era gorda. Infelizmente, essa situação é muito comum na vida amorosa de muitas mulheres plus size. Mas elas não estão mais se contentando em servir apenas de fetiche: “Eu sou muito para tão pouco”, dizem.

— Na cultura patriarcal, os homens competem entre eles e, muitas vezes, a mulher é vista como um troféu. O homem ter uma mulher bonita e gostosa faz com que ele se sinta superior. Se a mulher está fora do padrão, o homem tem vergonha, como se ele não fosse macho o suficiente — afirma Regina Navarro Lins, psicanalista e escritora.

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Não é fácil ir contra o padrão. Regina conta que uma de suas pacientes só transava com as pernas dobradas para não aparecer a gordura ou a celulite. E quando a preocupação é essa, é possível ter uma vida sexual gostosa?

Gordinhas estão ganhando autoestima e se livrando de relacionamentos tóxicos Foto: Arte de Ana Luiza Costa sobre foto divulgação
Gordinhas estão ganhando autoestima e se livrando de relacionamentos tóxicos Foto: Arte de Ana Luiza Costa sobre foto divulgação

Felizmente, os primeiros sinais de mudança já aparecem. Na última edição da Sexy Fair, este mês, houve um concurso de beleza e sensualidade chamado Deusa Plus Size.

— Mulher livre é bonita de qualquer jeito. Quando ela descobre que precisa se amar antes de ser amada, ela se fortalece e não corre o risco de depender de uma companhia para ser feliz — afirma Francilene Perez, estilista de moda plus size e organizadora do evento.

Regina também vê uma mudança de comportamento.

— Mas estamos no meio do processo. Com o movimento feminista, está surgindo a aceitação, uma coisa de as mulheres não quererem se submeter a essa exigência masculina — acredita.

Nessa onda, muitas gordinhas estão ganhando confiança. Mas o caminho para melhorar a autoestima não é simples:

— Eu acredito muito que todos têm que refletir sobre os valores e crenças aprendidos para se libertar dos moralismos e preconceitos. A gente aprendeu desde cedo um monte de coisa equivocada. Por exemplo, a mulher aprende que, se está gordinha, ninguém vai querer. Ela vai ficar insegura, ansiosa quando um homem chega perto. É fundamental refletir para mudar sua visão de mundo — diz Regina Navarro Lins.

Abaixo, seis mulheres plus size, todas participantes do concurso Deusa Plus Size, contam sua realidade sobre sexo, relacionamento e amor-próprio. E derrubam alguns mitos.

Elas são mais fogosas?

“Eu sinto que existe um fetiche na gordinha, uma crença de que ela é mais fogosa. Acho que isso acontece porque, no dia a dia, a gente quer se esconder, mas quando tem alguém que está ali, realmente interessado, te aceitando, te desejando, você se solta. Aí você explode toda aquela energia que fica sempre presa.”

Marcelli Balthazar, 31

“Acho que, na cama, a gente quer ser mais, precisa estar provando, tem necessidade de se mostrar, ser mais sensual. A gostosa faz o que tem que fazer e acabou. A gente tem que impressionar.”

Thayane Garrão, 25

“Eu não sei seduzir. Sendo gorda e preta, você faz o básico para não ser ainda mais discriminada. Quando está na intimidade com o outro, você oferece pouco porque não confia em você mesma. Está acostumada a ser pouco. Eu tenho problema, sabe aquela coisa luz apagada? Sou assim. Não tenho essa sensualidade dentro de mim. É muita luta, muita guerra, a sensualidade fica trancada no meu íntimo.”

Cleide Marques, 52

“Gosto de calcinha pequena, calcinha comestível, gosto de acessórios, gosto de tudo, eu sou do babado. A gorda hoje já é aceita e exaltada. Ela é só mais um padrão, cada um tem o seu.”

Patricia Felix, 35

Gordas são só para fetiche?

“Se eu não sou boa o suficiente para um relacionamento, também não sou para a cama. Eu sou muito para tão pouco.”

Isabela Resende, 35

“Com 19, 20 anos, tive um relacionamento em que era ótima para encontrar no motel ou dentro de casa, nunca fazíamos programas na rua, nunca saíamos em público. Quando eu fui dar um basta na situação, ele confirmou o que eu imaginava. Disse que os amigos zoavam, diziam que ele gostava de 'baleinha' e que ele não tinha peito para enfrentar. Eu disse que ele não tinha mesmo era colhão, que não era homem. Isso é muito cruel, dói demais.”

Marcelli Balthazar, 31

“Os homens têm fetiche entre quatro paredes, mas não dariam a mão na rua para a gorda e para a preta. Comigo é pior, porque é tudo em dobro. Você deixa de ter relacionamentos porque é gorda e preta. Fica tão magoada e calejada, que se fecha totalmente. Sinto essa coisa da objetificação. O homem se aproxima, me acha bonita, começa um papo, mas vai murchando. Parece que eu o vejo pensando: mas ela é gorda, mas ela é preta. E como eu não me submeto ao fetiche, ele sai. Eu quero um cavalheiro. Mas pensam que porque a gente é gordinha ou negra, vai aceitar qualquer coisa.”

Cleide Marques, 52

“Tive um namorado que disse que mulher preta, macumbeira e gorda ele não apresentava para a mãe.”

Patricia Felix, 35

Construção da autoestima

“Me acho linda. Eu adoro que me vejam, que me peguem, gosto de posições ousadas, que me mostrem mesmo, com o bundão para cima, faço striptease. Não quero saber, bota a autoestima na mente e vai.”

Thayane Garrão, 25

“Sempre fui gordinha numa família fitness e de misses. Sofri muito bullying dentro de casa, então fiquei bulímica e depressiva. Minha avó só descobriu com 16 anos. Foi muita luta até que conheci o mundo plus (size) e iniciei um processo de aceitação.”

Patricia Felix, 35

“Uso biquíni, maiô, short, vestido... Sempre tem olhares julgadores na praia, mas eu não ligo. Gosto de lingerie, em especial de calcinhas pequenas. Tenho amigas que dizem que não conseguem usar, só vestem “calçolão”. Mas eu gosto, acho que fazem a gente se sentir mulher.”

Isabela Resende, 35

Relacionamentos estáveis

“Eu fiz uma cirurgia bariátrica e perdi 24 quilos. Estava namorando há mais de um ano e ele terminou comigo há um mês. Acho que foi por insegurança, porque ele me disse que eu ia ficar ainda mais bonita aos olhos da sociedade, que ia trocá-lo. Mas também acho que a sexualidade contou: ele tinha me pedido para não emagrecer muito porque tinha 'tesão por gordinha'. Eu fiz a cirurgia por uma questão de saúde, e o meu maior estímulo eram os nossos planos de casar e ter filhos. Quis cuidar da minha saúde sonhando com nosso filho. Já tínhamos até o nome: Mateus."

Marcelli Balthazar, 31

“Tive um relacionamento que durou sete anos. Ele falava que eu era gorda, mandava trocar a roupa, dizia que meu peito estava caído. Eu aceitava porque já ouvia isso em casa. Na cama, ele era um tarado e eu era a gostosa, mas quando acabava, ele me dizia: 'Vai botar uma roupa, um sutiã'. Me diminuía sempre. Foi assim até que eu descobri que estava com transtorno de ansiedade generalizada. Fui fazer terapia e comecei a me aceitar. Meu ex ficou com minha amiga manequim 36, mas depois começou a vir atrás de mim. Eu falei: 'Ué, você agora está com uma mulher magra, eu não vou transar com você'."

Fabiana Assis, 27