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Violência contra a mulher permanece, mas pandemia afastou vítimas do sistema de saúde do Rio: notificações caíram 34%

No Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, dados da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro mostram que pandemia sobrecarregou profissionais e estabelecimentos de saúde e afastou as vítimas de violência do atendimento
Em 2019, o Rio de Janeiro foi o estado brasileiro com o maior número de atendimentos por 100 mil habitantes realizados pelo Ligue 180 Foto: Agência O Globo
Em 2019, o Rio de Janeiro foi o estado brasileiro com o maior número de atendimentos por 100 mil habitantes realizados pelo Ligue 180 Foto: Agência O Globo

RIO. Além de sobrecarregar os profissionais e os estabelecimentos de saúde do Rio de Janeiro, a pandemia de Covid-19 acabou afastando as mulheres vítimas de violência dos serviços de atendimento. É o que mostram dados da Secretaria de Estado de Saúde, divulgados no Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres , celebrado nesta quarta-feira, 25 de novembro.

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Em 2020, apenas 17.427 notificações de violência contra a mulher foram registradas pelos serviços de saúde fluminenses, de acordo com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Os números se referem as ocorrências registradas de 1º de janeiro a 6 de novembro deste ano. Ao longo de todo o ano passado, foram 31.163 notificações.

Na prática, isso significa que a média diária de notificações de violência contra a mulher no sistema de saúde do Rio caiu 34%, de 85,4 em 2019 para 56,2 em 2020. A redução, no entanto, não significa que a violência contra a mulher diminuiu, mas está relacionada à significativa queda na busca pelos serviços de saúde em função da pandemia de Covid-19 .

Os dados do estado mostravam um crescente aumento nas estatísticas de violência contra a mulher nos últimos anos. Em 2016, foram 19.340 notificações nas unidades de saúde; em 2017, 24.531; em 2018, 27.689; e, em 2019, chegaram a 31.163.

Mesmo com o número de notificações menor em 2020, as mulheres continuam representando a vasta maioria das vítimas de violência que chegam ao sistema de saúde do estado. Neste ano, elas foram 72,3% dos casos registrados até o início de novembro. O percentual é maior que a média dos últimos quatro anos, de 68,5%.

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Também nos últimos quatro anos, foi verificado maior percentual de violência contra mulheres negras (50,4% dos casos notificados ao Sinan) e com idade entre 20 e 29 anos (24,5%). A Secretaria de Estado de Saúde ressalta o alto percentual de casos notificados sem a identificação da raça ou cor da mulher agredida nos últimos quatro anos (23,2%). Para corrigir essa falha , em 2020 a pasta fez um acordo com municípios para ampliar o preenchimento do indicador através da autodeclaração da vítima.

Casos graves

Outro efeito da pandemia foi o fato de as mulheres só buscarem atendimento nos casos mais graves de urgência ou emergência, algo que dificulta a detecção de situações de vulnerabilidade pelos profissionais de saúde e o encaminhamento precoce e preventivo das vítimas para os órgãos competentes.

— Em uma consulta de preventivo, o profissional pode perceber uma mancha roxa justificada por uma queda sem explicação, ou uma mulher que trabalha mas relata que não consegue comprar as coisas de que precisa, sem justificativa, que podem ser alertas para possíveis casos de violência física ou patrimonial. O silêncio pode ser um sinal. O profissional pode chamá-la para uma conversa com assistente social ou psicóloga para intervir antes que essa violência se torne mais grave — explica Eralda Ferreira, coordenadora de Vigilância e Promoção da Saúde da Secretaria de Estado de Saúde (SES).

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Ela afirma que, desde 2006, com a criação da Vigilância de Assistência à Violência (Viva), pelo Ministério da Saúde, os serviços de saúde têm focado em notificar a violência ainda nas unidades primárias. Porém, a maior parte dos registros ainda é feita pelas unidades hospitalares e UPAs

— Daí a necessidade de desenvolver nos profissionais sensibilidade para perceber a violência o quanto antes, quando ainda não é tão visível, notificando e intervindo antes que atinja gravidade — reforça.

A profissional ressalta o serviço de atendimento a vítimas de violência oferecido pelo Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, onde o serviço SOS Mulher funciona.

Lá uma equipe multidisciplinar acolhe a mulher de forma segura e sigilosa e garante o acesso ao registro de denúncia, exame de corpo de delito, aborto legal e acompanhamento assistencial ambulatorial e medicamentoso. Há ainda outros sete estabelecimentos estaduais com atendimento especializado espalhados pelo Rio que seguem funcionando durante a pandemia (veja a lista abaixo).

Notificação obrigatória

A Secretaria de Estado de Saúde explica que a notificação da violência contra a mulher ao sistema de informação nacional de saúde é obrigatória. As violências notificadas ao Sinan e coletadas no levantamento são: violência física, psicológica e moral; lesão autoprovocada; negligência ou abandono; violência sexual, financeira e econômica, tortura, interferência legal e outras.

Desde o ano passado, uma mudança na Lei Maria da Penha também tornou compulsória a notificação às autoridades policiais. Mas, no Rio, essa medida ainda não foi implementada. A pasta informou que está em contato com o Ministério Público e com a Defensoria Pública para diálogo a respeito do assunto.

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No ano passado, o Rio de Janeiro foi o estado brasileiro com o maior número de atendimentos por 100 mil habitantes realizados pelo Ligue 180 — a Central de Atendimento à Mulher do governo federal —  com 98,92 registros (por 100 mil habitantes). O estado também ficou à frente nas denúncias de violência doméstica, com 78 registros por 100 mil habitantes. Em relação à violência sexual, o Rio de Janeiro ficou em terceiro lugar, atrás do Distrito Federal e do Mato Grosso. A secretaria aponta que os números não necessariamente refletem que há mais ocorrências no estado, mas pode significar que as pessoas têm mais conhecimento sobre o canal de denúncias.

Se tem alguma suspeita, denuncie . Procure um serviço de saúde. Em caso de dúvida, pergunte. Busque ajuda. É preciso educar para perceber que não é normal e combater a normalização do comportamento agressivo, com a desconstrução da ideia de que mulher agredida precisa aceitar o tratamento que recebe para manter a família. Se não houver intervenção, não há melhora — reforça Eralda Ferreira.

Lista dos serviços especializados

Hospital Estadual Adão Pereira Nunes
Rod. Washington Luiz, S/N, BR040, Km 109, Jardim Primavera, Duque de Caxias
Telefone: (21) 2777-5001/2777-5258

Hospital Estadual Alberto Torres
Rua Osório Costa c/ Rua Tenente Elias Magalhães, s/nº, Colubandê, São Gonçalo
Telefones: (21) 2701-2087 / 2701-2154 / 2701-4480

Hospital Estadual Azevedo Lima
Rua Teixeira de Freitas, nº 30, Fonseca, Niterói
Telefone: (21) 3601-7283

Hospital Estadual Carlos Chagas
Rua Gal. Osvaldo Cordeiro de Faria, nº 466, Marechal Hermes
Telefone: (21) 2332-1132

Hospital Estadual Getúlio Vargas
Rua Lobo Júnior nº 2293, Penha, Rio de Janeiro
Telefones: (21) 2334-7842 / 2334-7843

Hospital Estadual da Mãe de Mesquita
Rua Dr. Carvalhões, 400, Rocha Sobrinho, Mesquita
Telefone: (21) 2797-6700

Hospital da Mulher Heloneida Studart (SOS MULHER)
Av. Automóvel Club, s/n, Vilar dos Teles, S. João de Meriti
Telefone: (21) 2651-9600

Hospital Estadual dos Lagos Nossa Senhora de Nazareth (possui maternidade)
Rua Manoel Domingos dos Santos, S/N, Bacaxá, Saquarema
Telefone : (22) 2665.4250

Rede Especializada de Atendimento à Mulher
www.cedim.rj.gov.br/servicos