RIO — Quatro décadas após o lançamento de “Os carbonários”, livro sobre sua militância estudantil e na luta armada durante a ditadura, que lhe rendeu um prêmio Jabuti em 1981, Alfredo Sirkis, 69 anos, publica agora “Descarbonário”. Nascida como uma espécie de “tudo que você precisa saber sobre mudanças climáticas” (daí o trocadilho do título, pela redução do carbono na atmosfera), a obra acabou se tornando uma mistura de ensaio, diário de viagens e biografia política, com temas que vão de crise ambiental e racismo até anedotas e sua trajetória pública como vereador, deputado federal e secretário municipal de meio ambiente e urbanismo do Rio.
Obituário
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Ex-deputado Alfredo Sirkis morre em acidente de carro, em Nova Iguaçu (RJ)
Hoje diretor-executivo do think tank Centro Brasil no Clima, Sirkis também partiu de um tema e acabou abordando vários na entrevista que deu ao GLOBO. Assim como em seu novo livro, a conversa por telefone acabou abrangendo tanto o aquecimento global quanto o desencanto com o Partido Verde brasileiro (do qual foi um dos fundadores e principais quadros), o mundo em pandemia, e a crise política brasileira:
— O risco de autogolpe existe. A democracia precisa de uma esquerda democrática e de uma direita civilizada — diz Sirkis.
Ele conta que a transição de “Descarbonário” de alerta sobre mudanças climáticas para revisão de sua trajetória surgiu de uma necessidade pessoal. E avalia que sua carreira como político represou a de autor:
— Eu estava muito represado como escritor. E sou basicamente isso, um contador de histórias. Então, pensei: “relaxa e aproveita, coloca tudo o que tiver de história, opinião e polêmica que você queira botar para for”. É um livro de escritor.
Lutas em várias frentes
Na obra, Sirkis diz que houve erros e acertos na política ambiental brasileira desde a presidência de Fernando Collor até a de Michel Temer, mas que o saldo foi, na média, positivo. Ao avaliar a postura do governo atual sobre o tema, no entanto, ele se preocupa: “não podia ser mais alarmante”.
— O governo Bolsonaro se identifica com a destruição de maneira visceral. É assustador, estamos sem saída nesta situação, com a destruição de áreas de proteção por pura falta de fiscalização, que está desmantelada — diz Sirkis, que analisa o âmbito internacional. — Se o Trump for derrotado, essa onda começa a ser revertida, e isso vai ajudar as pessoas que lutam a favor da democracia, do meio ambiente e dos direitos humanos em todo o mundo.
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O “descarbonário” recorda que sua geração foi a primeira a ter consciência “da gravidade da mudança climática”. O tema foi assumido pela comunidade internacional e pela ciência nos anos 1980 — o que não impediu que o período seguinte fosse o de mais intensa poluição. Para Sirkis, é preciso “uma revolução” para salvar a humanidade —não com fuzis, como ele chegou a defender na juventude, mas cultural, tecnológica e financeira.
— A revolução cultural, por meio da ideia de uma vida mais frugal. A tecnológica já está em curso, com enorme velocidade. E a financeira, que passa pelo reconhecimento prático, está no Acordo de Paris, que é a atribuição de valor econômico ao “menos carbono”, que é o novo ouro. É uma fonte gigantesca de riqueza que pode pagar em grande parte pelo processo de descarbonização das economias — afirma o autor.
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Sobre a pandemia do novo coronavírus que afeta o mundo e ainda desafia o Brasil, ele lamenta:
— Vamos ter que lutar com uma quantidade de vítimas muito maior do que se fôssemos comandados pelo bom senso e pela ciência.
Por um ‘Centro radical’
Sirkis define-se como alguém do “centro radical”, que dialoga com todos, mas sendo radical em relação às soluções sugeridas.
— Minha proposta de reforma política e da questão das drogas é totalmente radical, por exemplo. O centro é um espaço para as pessoas que têm horror ao Bolsonaro, que não se identificam com o elitismo e a falta de atenção às causas sociais da direita tradicional, e que ficaram extremamente decepcionadas com a esquerda — diz Sirkis. — Vamos precisar de mutações para que esse centro tenha um lugar. O PV foi fagocitado pela cultura política brasileira enquanto farsa, com um presidente vitalício (José Luiz Penna) , e o PT enquanto tragédia. É cedo para apontar algum nome à presidência, mas gostaria que fosse um político de uma geração mais jovem.
Serviço
“Descarbonário”
Autor: Alfredo Sirkis. Editora: Ubook. Páginas: 492. Preço: R$ 79,90.