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Cultura

Amaro Freitas leva o jazz de Recife para o mundo pela via da África

Jovem estrela do piano brasileiro, o pernambucano transforma as suas descobertas no exterior em ‘Sankofa’, seu elaborado 3º álbum
O pianista pernambucano Amaro Freitas Foto: Jao Vicente / Divulgação
O pianista pernambucano Amaro Freitas Foto: Jao Vicente / Divulgação

RIO - Com seu segundo álbum, “Rasif”, de 2018 , o pianista pernambucano Amaro Freitas chegou a um ponto em que raros músicos brasileiros conseguiram: não só obteve o reconhecimento de conterrâneos do nível de Milton Nascimento , Criolo e Lenine (com quem gravou faixas) e o bandolinista Hamilton de Holanda (com quem fez um duo no Rio Montreux Festival do ano passado) como conquistou a crítica internacional — a revista “Downbeat” definiu sua técnica como “tão única que chega a ser surpreendente”.

No exterior, aliás, o nome conquistado em festivais europeus, com seu trio, valeu a Amaro, em 2020, uma participação, com jovens de todo mundo, na academia de jazz do Festival de Montreux original, na Suíça. Astro de renome do jazz atual, o trompetista Christian Scott aTunde Adjuah assim definiu a passagem do brasileiro: “Quando sentou ao piano, o tempo parou. Ele tocou e tocou, e cada nota crescia e gerava novas possibilidades.”

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E tudo isso desemboca agora num feito maior: na sexta-feira, chega ao streaming “Sankofa”, o terceiro e mais elaborado álbum de Amaro Freitas com seu trio (o baixista Jean Elton e o baterista Hugo Medeiros), que sai pelo selo inglês Far Out, o mesmo que lançou “Rasif” (disco cuja faixa-título bateu a marca de um milhão de execuções só no Spotify).

Esse novo trabalho, patrocinado pela Natura Musical, é tanto um resultado das experiências do pianista de 29 anos em suas andanças pelo exterior (onde tocou e viu tocar ídolos como o pianista Chick Corea, morto em fevereiro ) como da ocasião em que Christian Scott o viu na academia em Montreux, executando a polirrítmica “Batucada”.

— Ele disse que eu dominava muito bem as dinâmicas do piano e perguntou se não havia uma música que pudesse exemplificar melhor o quão diverso eu era. Aquilo foi um tiro no peito — conta. — Aí comecei a tocá-la com outro arranjo, explorando a polifonia na direção do lirismo, da harmonia, da calmaria... e, quando acabei, ele disse, emocionado: “É isso!”.

Capa do álbum "Sankofa", do pianista Amaro Freitas e seu trio Foto: Reprodução
Capa do álbum "Sankofa", do pianista Amaro Freitas e seu trio Foto: Reprodução

Mas até chegar a “Sankofa” foi preciso atingir um equilíbrio entre simplicidade e complexidade e, principalmente, entender a sua ancestralidade africana. O que aconteceu quando o pianista se viu no Harlem, em Nova York, num encontro com a comunidade senegalesa, de onde trouxe uma bata e a história de Baquaqua — o príncipe africano que foi escravizado, trazido para o Brasil e que depois passou por Estados Unidos, Canadá e Inglaterra.

— Quando olho para ele, vejo o meu pai, que também foi padeiro. Saber de Baquaqua é saber dessa história que nos foi negada. O Brasil não sabe da história do Brasil. E ele também simboliza para mim o cara para quem o Brasil foi só um lugar de passagem — conta Amaro, que foi criado na periferia de Recife, em família evangélica, e que teve “a história a partir da África negada desde a infância”. — Hoje, quando vejo a história da nossa música, percebo que os nossos grandes pianistas negros, como Dom Salvador , Laercio de Freitas, Tânia Maria e Johnny Alf, não tiveram a reverência que deveriam.

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Enquanto espera para voltar aos palcos europeus com seu trio e “Sankofa”, Amaro Freitas desenvolve um novo trabalho, com piano preparado (ou seja, com objetos os mais variados sobre suas cordas, o que dá um som mais percussivo ao instrumento), que mostrará em breve numa live. Ele brinca que é uma revanche pelas vezes em que perguntaram se era o percussionista da banda:

— O pianista nunca vai ser esse preto grandão! Durante muito tempo fiquei chateado, mas agora acho baita elogio. A minha percussão tem 88 tambores ( referindo-se ao número de teclas do piano )!