Cultura

Bernardine Evaristo abre a Flip: ‘A literatura é um veículo maravilhoso para fazer pontes entre as diferenças’

Influência das experiências de vida no processo de criação e a importância da representatividade nos livros atravessaram mesa inaugural, que reuniu a autora britânica e a escritora brasileira Stephanie Borges
Bernardine Evaristo abre a 18ª edição da Flip em mesa com mediação de Stephanie Borges Foto: Reprodução
Bernardine Evaristo abre a 18ª edição da Flip em mesa com mediação de Stephanie Borges Foto: Reprodução

RIO — As conexões que a literatura pode fazer e a busca por representatividade permearam a mesa “Diáspora” com a escritora britânica Bernardine Evaristo , na abertura da primeira edição 100% digital da Festa Literária de Paraty (Flip), nesta quinta-feira. A autora, traduzida recentemente no Brasil, celebrou a recepção e o alcance que o livro vem tendo no mundo.

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Na conversa com a também escritora Stephanie Borges,  Evaristo destacou como a literatura pode abrir espaços para a discussão de assuntos como a sexualidade e a diversidade. Em seu livro “Garota, mulher e outras” , uma das personagens principais se identifica com o gênero neutro. Com a obra, ela tornou-se, em 2019 a primeira mulher negra a vencer o Man Booker Prize, o mais importante prêmio literário de língua inglesa.

— A questão trans é uma que as pessoas devem abraçar. Uma complicação é que se vocês tiverem muitos escritores cis escrevendo sobre trans, os escritores trans não vão ser publicados. Mas a literatura é um veículo maravilhoso para fazer as pontes entre as diferenças. Diminuindo a lacuna entre quem somos e as pessoas que achamos que são diferentes de nós —  destaca a autora.

Em um contexto onde as questões de raça e sexo estão tão pungentes,  Evaristo reconheceu a liberdade que os artistas possuem, e que deve ser exercida com responsabilidade. Até o momento, segundo conta, não recebeu reclamações sobre a forma como os personagens foram retratados em seu livro.

Acolhida

Ao tratar da recepção com o público em geral, ela celebrou a acolhida que o livro vem tendo pelo público, especialmente aquele formado por leitores negros.

— Esse livro está sendo traduzido para muitos idiomas e está sendo lido por vários leitores negros, que não leriam em inglês. Espero que tenha um impacto entre os brasileiros, entre os leitores negros brasileiros — disse a autora.

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O processo de escrita a partir das experiências de vida das mulheres negras permeou toda a conversa. Evaristo, que cresceu em um bairro de maioria branca em Londres, dirigiu a primeira companhia de teatro para mulheres negras, o Theatre of Black Women, por não se sentir identificada com o panorama teatral britânico.

— Tive associação com mulheres negras por toda a vida. Eu as assimilei por décadas. Enquanto mulher negra, escrevi um livro sobre nós. Algumas das maneiras como nós vivemos sobre o mundo está na superfície do livro. Um homem branco não poderia ter escrito esse livro, porque é um olhar de dentro. Não é só um livro sobre raça, mas sobre muitas outras coisas — disse.

Ascendência brasileira

Durante a conversa descontraída, Evaristo lembrou da primeira vez que veio ao Brasil, em 1992, com sua prima. No roteiro, estavam passagens por Rio de Janeiro, Salvador e Manaus. A autora ainda relembrou que seu avô paterno era um aguda, descendente de yorubás escravizados no Brasil e que retornaram à Nigéria no século XIX.

— Foi maravilhoso. Passamos um mês no Brasil, mas não sabíamos que era tão caro. Meu único problema foi o idioma — confessou a autora, que esteve pela última vez aqui em 2013.

Apesar da proximidade com o país, ela admitiu a pouca proximidade com as autoras brasileiras.

Programação

A programação do primeiro dia se encerra com a mesa (iniciada às 20h30) que tem  participação dos músicos Fernando Alcantara e Marcello Alcantara e mediação de Jéssica Moreira.

Em virtude da pandemia do coronavírus, a Flip ocorre totalmente em formato virtual pela primeira vez na história. A programação vai até domingo, sendo composta por 12 mesas transmitidas ao vivo nas redes sociais do evento, além de contar com vídeos gravados. Inicialmente a festa estava prevista para acontecer entre 29 de julho e 2 de agosto.