Cultura

Chaves da Cinemateca Brasileira são entregues à União, sob acompanhamento da PF

Acerp, organização social que administrava o local desde 2018, atendeu a pedido de Mario Frias na manhã desta sexta-feira; representantes do governo chegaram acompanhados da Polícia Federal
Francisco Campera, diretor-geral da Acerp, assina documento que entrega a administração da Cinemateca à União Foto: Divulgação
Francisco Campera, diretor-geral da Acerp, assina documento que entrega a administração da Cinemateca à União Foto: Divulgação

SÃO PAULO - As chaves da Cinemateca Brasileira foram entregues à União na manhã desta sexta-feira (7) pela Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto). A organização social (OS), que geria o local desde 2018, atendeu a pedido feito nesta semana, por meio de ofício, pela Secretaria especial da Cultura, comandada por Mario Frias.

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Uma comissão de funcionários federais, entre eles o secretário nacional do audiovisual substituto, Helio Ferraz de Oliveira, chegou por volta das 9h à sede, no bairro Vila Clementino, em São Paulo, acompanhada da Polícia Federal. A conversa, intermediada por representantes de ambos os lados, terminou com Francisco Campera, diretor-geral da Acerp, assinando documento que entrega a administração à União.

Fachada da Cinemateca Brasileira, na Vila Clementino, em São Paulo Foto: Didão Barros / Wikimedia Commons
Fachada da Cinemateca Brasileira, na Vila Clementino, em São Paulo Foto: Didão Barros / Wikimedia Commons

— O mais triste da história toda foi eles terem chegado com três carros da Polícia Federal. Foi bizarro, lamentável, ofensivo, principalmente para os funcionários — avaliou Campera.

Em meio à oficialização da troca de gestão, funcionários da instituição e apoiadores do movimento Cinemateca Acesa, que se formou para reivindicar a preservação do conteúdo audiovisual e também o pagamento de salários atrasados há quatro meses, protestavam em frente ao edifício. Segundo o cineasta Roberto Gervitz, um dos organizadores do movimento SOS Cinemateca, foi pedida uma reunião entre os trabalhadores e os representantes do governo federal para esta tarde, para esclarecer o destino deles.

— Nós da comunidade cinematográfica nos manifestamos que não basta somente à União pagar as contas de luz, de segurança e outras. Nesse período, até uma nova OS assumir, não dá para deixar a Cinemateca sem funcionários especializados, o que colocaria em risco a preservação — disse Gervitz em entrevista por telefone ao GLOBO, enquanto acompanhava uma visita técnica de Helio Ferraz em toda a instituição no começo desta tarde.

A visita funciona como uma vistoria de como a instituição foi entregue, com registro fotográfico de todas as dependências e de seu maquinário. A atividade também foi acompanhada por representante da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual.

Helio Ferraz, à direita, entrega documentos a Francisco Campera, diretor da Acerp Foto: Divulgação
Helio Ferraz, à direita, entrega documentos a Francisco Campera, diretor da Acerp Foto: Divulgação

Para Gervitz, até o momento, Ferraz parece “disposto a conversar”. Disse que o governo em breve abrirá um edital para a escolha de uma nova OS e que será recomendado que os funcionários que já trabalham na Cinemateca sejam recontratados pela nova administração. À comitiva de funcionários e ativistas, afirmou ainda que serão respeitados os termos de doação estabelecidos em 1984, quando a instituição foi passada à União. Pelo texto, a Cinemateca precisa funcionar em São Paulo. Nos últimos meses, o governo Bolsonaro levantou a possibilidade de uma transferência para Brasília, o que não estaria de acordo com o documento.

Acerp cobrará milhões na Justiça

Francisco Campera, diretor da Acerp, diz que aguarda agora uma audiência de conciliação pedida pelo Ministério Público Federal para tentar reaver R$ 14 milhões que a OS desembolsou nos últimos meses para seguir com a manutenção da Cinemateca. Se não houver acordo, seguirão com uma ação judicial para fazer a cobrança.

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A Acerp diz ter parado de receber repasses federais em dezembro, quando o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, encerrou o contrato da OS para a realização da TV Escola. Como o contrato para administrar a Cinemateca era um aditivo desse outro, a situação se tornou um imbróglio jurídico. A Roquette Pinto entendeu que a parceria não poderia ser rompida, porque o acordo original iria até março de 2021, e continuou a administrar com recursos do próprio caixa.

— Mantivemos o nosso compromisso, por boa fé, mas agora não tínhamos mais fôlego, não havia como continuar, não temos mais caixa — disse Campera, sobre a decisão de entregar as chaves, embora não tenha sido aberto um processo administrativo para isso. — Foi uma posse atípica, bruta, ilegal — avaliou.

Os R$ 14 milhões englobam os valores não repassados desde dezembro e um montante não recebido ainda em 2019, quando o contrato estava vigente. Segundo a OS, ao longo de 2019, dos R$ 13 milhões do orçamento, o governo entregou à Acerp só R$ 7 milhões.

Campera afirma que, até há algumas semanas, acreditava em uma "transição técnica e profissional".

— Quando o ministro [do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio] veio [em 23 de junho, para uma visita], foi uma conversa muito bacana mesmo. Ele disse que ia nos pagar e fazer uma transição tranquila, mas o ministro não cumpriu com isso depois e não nos atendeu mais.

Então veio, em meados de julho, o primeiro pedido de entrega de chaves , que não foi atendido, segundo Campera, porque não foi agendado.

— Não adiantava bater lá na porta, não é assim, tudo tem que ser registrado. Ficou claro para a gente que foi uma narrativa falsa, uma armação. Se preciso, no devido momento, judicialmente vamos apresentar as provas — disse o diretor, que classifica a tentativa como "um ato de desespero após notificação do Ministério Público Federal e após saberem que a Prefeitura de São Paulo estava disposta a arcar com recursos".

O Ministério Público Federal chegou a pedir que o contrato com a Acerp fosse renovado para a manutenção da Cinemateca, mas a liminar foi negada pela Justiça Federal na última segunda-feira (3).

As ações do Ministério do Turismo

Procurada por meio da assessoria de imprensa do Ministério do Turismo, a que está vinculada, a Secretaria Especial da Cultura enviou uma nota em que informa que "com o compromisso de resguardar a continuidade dos serviços e a segurança do patrimônio cultural preservado pela Cinemateca, a Pasta já viabilizou uma série de contratos que garantem a continuidade da prestação de serviços fundamentais para o trabalho desenvolvido pela instituição".

O ministério cita em seguida nove serviços contemplados:

"1. serviços especializados na área de vigilância e segurança física e patrimonial desarmada;

2. serviços de prevenção e combate a incêndio, evacuação de área e à prestação de primeiros-socorros para proteção à vida e ao patrimônio, por meio de Bombeiro Civil - Brigada de Incêndio;

3. serviços em manutenção preventiva e corretiva dos sistemas de climatização, refrigeração, supervisão e controles da Cinemateca Brasileira

4. serviços de Manutenção Preventiva e Curativa de Controle de Pragas Urbanas

5. serviços continuados de limpeza, higienização, desinfecção e conservação de bens móveis e imóveis, serviços de jardinagem e limpeza de vidros e fachadas externas

6. serviços em manutenção preventiva, corretiva, conservação predial e arquitetônica

7. serviços de manutenção preventiva e/ou corretiva de elevadores

8. serviços de fornecimento e distribuição de energia elétrica

9. serviços continuados de prestação dos serviços públicos de abastecimento de água, esgotamento sanitário e outros serviços para as dependências da Cinemateca Brasileira. "

O "Diário Oficial da União" desta sexta-feira traz a publicação de quatro contratações emergenciais, dispensadas de licitação, para a Cinemateca, para o fornecimento e distribuição de energia elétrica ( por R$ 1.070.072 ), para os sistemas de climatização ( por R$ 85.560 ), para prevenção e combate a incêndio ( por R$ 293.400 ) e para controle de pragas urbanas ( por R$ 4.620 ).

O Ministério do Turismo foi procurado também pela reportagem para comentar as falas de Francisco Campera, mas não se manifestou a respeito delas até a conclusão da reportagem.

Atualização: a reportagem foi atualizada às 15h33 do dia 7 de agosto de 2020 para incluir nota enviada pela Secretaria Especial da Cultura. Às 16h37, foi atualizada com entrevista com Francisco Campera, da Acerp.