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Cultura

Duda Beat: 'Foram muitos anos sofrendo de amor, ainda tenho muita sofrência pra contar'

Após furar a bolha indie, pernambucana explora piseiro, coco e pagodão em 'Te amo lá fora', disco pautado pela desilusão
'Quero tocar no rádio', diz a cantora Duda Beat Foto: Divulgação/Gabriela Schmdt
'Quero tocar no rádio', diz a cantora Duda Beat Foto: Divulgação/Gabriela Schmdt

Dessas coisas que a música globalizada permite: na semana passada, quem estivesse circulando pela Times Square, em Nova York, poderia se deparar naqueles telões publicitários gigantes espalhados pela praça com o rosto de uma cantora e compositora pernambucana que acabara de lançar um álbum criado e parcialmente gravado num sítio em Teresópolis, na região serrana do Rio. A artista em questão é Duda Beat, recifense radicada no Rio, que jogou nas plataformas digitais as 11 faixas do disco “Te amo lá fora”, sua aposta para dar sequência a uma trajetória que pode ser vista como inusitada, levando em conta as circunstâncias.

Duda é um raro caso, em tempos recentes, de artista que saiu da cena musical carioca contemporânea para lotar casas de médio porte e ser destaque de festivais pelos quatro cantos do país. Antes do lançamento de seu álbum de estreia, “Sinto muito”, em 2018, ela passava despercebida até na cidade onde atuava. Agora, tem músicas em novela da Globo (o sucesso “Bixinho” tocava quase todos os dias em “Amor de mãe”), EP com Nando Reis, parcerias com Tiago Iorc , Anavitória , Adriana Calcanhotto , 2 milhões de ouvintes mensais no Spotify (plataforma que a levou como aposta para a tal campanha na Times Square). Resumindo: fez a difícil transição indie-mainstream, underground-grande público.

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— Funcionou comigo quando eu entendi que deveria pegar o lugar do palco para mim, que ele seria meu — lembra Duda, que chegou a se formar em Ciência Política pela UniRio. — Mas falar sobre o quê? Sobre minhas experiências. Todo mundo sofreu de amor, se apaixonou, as pessoas se identificam com isso. Não tive medo disso. Muita gente vem me falar o quanto meu primeiro disco ajudou, seja por estar apaixonado, seja por estar no fim de um relacionamento. É muito especial mudar a vida do outro, através da sua experiência.

A pernambucana Duda Beat canta 'Bixinho' no terraço da redação integrada no Centro do Rio. A cantora intitulada como 'rainha da sofrência pop' estourou com o seu primeiro cd lançado ano passado e sonha em levar a música de Recife para o resto do mundo.
A pernambucana Duda Beat canta 'Bixinho' no terraço da redação integrada no Centro do Rio. A cantora intitulada como 'rainha da sofrência pop' estourou com o seu primeiro cd lançado ano passado e sonha em levar a música de Recife para o resto do mundo.

Basicamente, Duda Beat acerta em cheio ao dar uma roupagem pop, talvez cool, à sofrência — temática que não à toa tem lugar cativo nas paradas de sucesso, por meio do sertanejo. E não pense que o melodrama teve fim no disco de estreia: é o amor em seu estado sofrido que povoa as novas faixas de “Te amo lá fora”, talvez um pouco mais “rancoroso” e “mais dark”, segundo a própria.

— Vou falar disso por muito tempo ainda, foram muitos anos sofrendo de amor, o que não falta é história e sofrência para contar — diz ela, que há quatro anos tem um relacionamento saudável com o namorado, produtor musical e companheiro de banda Tomás Tróia. — A distância desses romances tóxicos me permitiu enxergá-los de outra forma. Em “Meu pisêro”, o single, por exemplo, eu aviso que o cara está perdoado. Tem uma maturidade minha. Tomás diz que no primeiro disco eu estou iludida e, neste, desiludida, e desilusão é bom. Você cai na realidade e olha para si.

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Junto com os produtores Tomás e Lux Ferreira — a dupla Lux & Tróia, que se destaca na nova geração pela capacidade de construir melodias e batidas de apelo popular e refinadas —, a artista de 33 anos relê gêneros populares da nossa música e adiciona elementos eletrônicos, dançantes, modernos, e também fortes influências do reggae e seus subgêneros. Foi assim em “Sinto muito”, e “Te amo lá fora” é uma sequência musical que vai além, abordando ritmos como o piseiro, o pagodão baiano e o coco.

— O Recife é meu país, o carnaval de lá é multicultural e meus discos refletem isso. Eu cresci ouvindo forró, baião, xote, maracatu, frevo, peguei muito isso da minha avó, a maior foliona que eu conheci — conta Duda. — Em Pernambuco, a gente tem isso de dar valor às coisas da gente, então meus álbuns são um pouco das minhas playlists, reflexo do que eu gosto de ouvir e dos músicos em quem eu acredito.

‘Quero tocar no rádio’

Como grandes poderes trazem grandes responsabilidades, o período pré-lançamento de “Te amo lá fora”, diferentemente do anonimato que antecedeu “Sinto muito”, foi cercado por expectativas, especulações e sugestões. Pulularam pelas redes de Duda Beat sugestões de feats com grandes nomes. Muitos fãs tinham certeza, por exemplo, que teria música com Pabllo Vittar , com o fenômeno do arrocha Tierry ... Mas Duda entregou outro caminho. Além dela, o disco tem as vozes de Cila do Coco — 83 anos, matriarca da cultura popular pernambucana — e do jovem rapper baiano Trevo.

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— Não quis pensar em números para o álbum, mas em ter pessoas nas quais eu acredito muito e que me ajudem a contar uma história. Disco, para mim, tem que ter uma narrativa para existir, tem que ser um retrato do tempo, da minha história. Eu vou fazer os feats que os fãs estão esperando, vão sair singles ao longo do ano — adianta a cantora.

Duda Beat, que virou a chavinha da popularidade também na base do suor despejado no palco, já prepara o show de “Te amo lá fora” mesmo sem saber quando ele poderá chegar à rua. Os planos para a sequência da carreira são ambiciosos:

— Quero muito tocar em rádio, já tentei e ainda não consegui. Quero estar na TV, fazer programas, e também dar passos lá fora. Em 2019, consegui fazer shows lotados em Nova York, Portugal, Madri, Berlim, a carreira internacional me atrai. Mas, acima de tudo, quero que minha música bata nas pessoas como foi em “Sinto muito”, com um poder de transformação e entendimento para este novo momento do mundo, das pessoas.