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Cultura

Entre a tradição e as novidades, Gilberto Gil arma o seu arraial familiar

Em live na noite de domingo, o artista reúne filhos pelo segundo ano consecutivo para cantar clássicos juninos, desta vez com a ex-BBB Juliette
O cantor e compositor Gilberto Gil Foto: Fe Pinheiro / Divulgação
O cantor e compositor Gilberto Gil Foto: Fe Pinheiro / Divulgação

RIO — Este período de festas juninas não vai ser igual ao que passou: afinal Gilberto Gil ostenta agora uma bela barba branca.

— Ela esteve no meu rosto durante uns três ou quatro anos, quando eu tinha cabelos pretos, na época de Londres e da volta do exílio... depois tirei e nunca mais usei. Agora resolvi deixar para ver como é que fica. De 15 em 15 dias o barbeiro ajeita ela — conta Gil, que com o novo visual anima hoje o arraial do Globoplay e do Multishow, a partir das 18h, em live junina acompanhado dos filhos Bem (guitarra), José (percussão) e Nara Gil (vocal), mais Jorginho Gomes (zabumba) e Mestrinho (sanfona).

É o segundo mês de junho seguido que o cantor (e boa parte da Humanidade) passa em confinamento, por causa da pandemia de Covid-19.

— São João é uma grande festa popular com uma presença muito evidente de multidões, com aglomerações nos clubes, nos adros das igrejas e nas praças, apesar da dimensão doméstica das festas. Nos últimos anos desenvolveu-se uma indústria muito grande das festas juninas, não só no Nordeste mas em outros lugares. Isso tudo faz falta numa pandemia — admite Gil. — Mas a gente vai fazendo. Essa coisa da live de certa forma possibilita essa manifestação, o show transmite essa sua contribuição para a festa, que é cantar e tocar, e a live leva isso para as casas das pessoas. Ou seja: dos males, o menor.

Ano passado, o artista e a família armaram o arraial no sítio em Araras, região serrana do Rio de Janeiro, e fizeram dele uma live, cuja gravação acaba de ser lançada em álbum, “São João em Araras – Ao vivo”. Músicas do repertório de Gil, como “Esperando na janela”, “Fé na festa” e “Toda menina baiana” se misturaram a clássicos das festas juninas, como “Asa Branca”, “Respeita Januário” e “O xote das meninas” na celebração que, este ano, acontece num palco armado na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca.

— Agora é ali, num espaço cênico mais convencional. Mas, garantidas as condições de som e de luz, não faz muita diferença — garante o cantor. — O repertório também é muito similar, com uma duas ou três coisas que não estavam na live do ano passado, mas a festa junina tem que se valer da tradição nordestina de Luiz Gonzaga, Zé Dantas e Humberto Teixeira, os grandes autores que deram projeção a essa música.

A grande novidade do arraial é a participação da paraibana Juliette Freire, vencedora do último Big Brother Brasil . Em ensaio com Gil e a banda, ela cantou “Esperando na janela”.

— Na verdade eu fui convidado a fazer essa parceria com a Juliette, foi uma proposta feita pelos realizadores da televisão. E eu, por curiosidade e também por respeito à emergência dela, propiciada pelo programa, como uma figura pública e talentosa, resolvi aceitar — diz o artista. — O primeiro encontro que tive com Juliette foi exatamente para o primeiro ensaio. Ela é uma pessoa muito delicada, simpática. E tem, como muita gente tem, uma capacidade natural de cantar e interpretar canções, especialmente aquelas que ela cresceu ouvindo em Campina Grande.

Cultor de uma música tradicional de São João, que atravessou décadas, Gilberto Gil reconhece que hoje a festa tem acolhido novidades como o piseiro — mutação eletrônica e pop do forró praticada, com monumental sucesso no streaming , por artistas de como os Barões da Pisadinha, Zé Vaqueiro e Tarcísio do Acordeon.

— Todos esses gêneros brasileiros originários vêm sendo submetidos a um processo muito natural e intenso de variações e transformações. O axé music da Bahia, por exemplo, foi uma transformação imensa da música local, de influências caribenhas e samba baiano — ilustra Gil. — Existe uma constante chegada de novas maneiras, novas interpretações, e as temáticas também vão sendo atualizadas com as modificações nos costumes. Mas eu não tenho nem mais condições de acompanhar essa avalanche de coisas novas. Aqui e ali eu sou informado por meus filhos e netos, que gostam dessas coisas, que são engajados nesses processos. O meu cultivo musical é mais tradicional, é mais a música que vem de Gonzaga, do Trio Nordestino e dos últimos grandes intérpretes, como Elba Ramalho, Alceu Valença e Geraldinho Azevedo. Sei da existência desses meninos dos novos conjuntos, eventualmente escuto, mas não sou um seguidor.

Em dia com as duas doses da CoronaVac e à beira dos 79 anos de idade (que se completam dia 26), Gilberto Gil não planeja disco de inéditas, diferentemente do amigo Caetano Veloso (“durante a pandemia fiz quatro músicas instrumentais, elas podem até vir a se tornar canções tradicionais, cantadas, mas por enquanto são só músicas que toco no violão”). Em outubro, ele pretende ir à Europa para uma série de shows com os filhos (“vamos ver até lá se as condições sanitárias permitem”).

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E, por enquanto vai dando os primeiros tratos a “Nós, a gente”, uma série de TV em dez episódios, que começa a ser filmada no fim do mês, em Araras, e que culmina com uma excursão na Europa – com filhos, netos e a bisneta – durante o verão de 2022, para pegar os shows ao ar livre. Não por acaso, bem na época em que o patriarca Gil estará completando 80 anos de idade.

— Se Deus quiser, 80 anos! — exulta ele.