Cultura

Famosos viram assunto nas redes ao falarem sobre o hábito de não tomar banho todo dia; médicos criticam

Enquanto youtuber Cartolouco afirma 'lutar pelas pessoas que não tomam banho', dermatologista diz que 'isso vai contra a natureza humana'
Ashton Kutcher, Mila Kunis, Jake Gyllenhaal e o brasileiro Cartolouco: famosos que não tomam banhos diários Foto: REUTERS/Alex Gallardo; Reprodução
Ashton Kutcher, Mila Kunis, Jake Gyllenhaal e o brasileiro Cartolouco: famosos que não tomam banhos diários Foto: REUTERS/Alex Gallardo; Reprodução

Algo talvez não esteja cheirando bem em Hollywood. O leitor que costuma acessar redes sociais muito provavelmente foi impactado nas últimas semanas pela notícia de alguma celebridade fazendo um relato pessoal ou familiar sobre sua opção de não tomar banhos regulares.

A onda mais recente começou quando o casal Mila Kunis e Ashton Kutcher revelou num podcast que só dá banho em seus filhos de 6 e 4 anos quando encontra alguma sujeira visível neles. Kunis, inclusive, já tinha afirmado não ter um costume de chuveiradas muito recorrentes por ter crescido numa casa sem água morna. Kristen Bell apoiou publicamente o casal, dizendo ser “uma grande fã da técnica de esperar cheirar mal”. Eis que Jake Gyllenhaal resolveu entrar em campo, trazendo com ele o conceito de que o corpo humano “se limpa naturalmente”: “Cada vez mais eu acho o banho menos necessário. Também penso que tem toda uma questão envolvendo não tomar banho que é bem importante para ajudar na manutenção da pele”, disse à “Vanity Fair”.

Antes de seguir, aqui é bom entrar um parêntese científico.

Coordenador do Departamento de Dermatologia e Medicina Interna da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), o doutor Paulo Criado fez questão de passar um pente fino em estudos científicos recentes da área na qual é especialista para cravar: não viu qualquer pesquisa série comprovando que a ausência de banho beneficia a pele.

— Até que alguém prove o contrário, isso vai contra a natureza humana — afirmou Criado. — A gente tem uma microbiota na pele formada por bactérias que vivem em harmonia. A partir de algum tempo, bactérias que são danosas podem crescer e colonizar a pele, como acontece na dermatite atópica, e estimular inflamações e enfisemas. Num país como o nosso, que as pessoas transpiram muito, têm pele oleosa, isso é ainda mais temerário.

O memorando não chegou para o youtuber Lucas Strabko, conhecido pelo codinome Cartolouco, que deixou a falta de hábito bastante pública ao participar da última edição do reality show “A Fazenda”, da Record.

— Tomo banho a cada dois, três dias. E tem dia que eu só jogo uma água no corpo. Essa semana mesmo eu fiquei quatro ou cinco dias sem lavar o cabelo — conta o youtuber, que quer “lutar pelas pessoas que não tomam banho”. — Quando eu tomo banho, é caprichado mesmo, demoro uns 20 minutos. De resto, passo um desodorante, escovo os dentes, uso álcool gel. Eu não fico fedido, é uma realidade. Faço questão de perguntar para os amigos que estão próximos de mim.

Assim como Cartolouco, o escritor Diego Queiroz, de 32 anos, mora em São Paulo, e desde que trocou o calor constante do Rio pelo inverno frio da maior metrópole do país passou a questionar sua rotina diária de banhos. A pandemia e o isolamento social acabaram sendo as desculpas perfeitas para que Queiroz botasse na prática essa mudança de hábitos. Atualmente, ele toma banho dia sim, dia não, mas gostaria de tomar ainda menos:

— Tomar banho todo dia é muito cultural. Minha pele é muito seca, quanto mais banho eu tomo, pior fica. Eu adoro tomar banho, não é porque eu tomo menos banhos que não goste ou tenha aversão a água. Eu só escolhi tomar menos banhos.

Uma escolha que, ao menos fora do Brasil, tem se popularizado. Um estudo do centro de pesquisas britânico YouGov mostra que 17% dos britânicos abandonaram os banhos diários durante a pandemia. Com a divulgação dos dados, muitos usuários do Twitter de diferentes países também deram seus relatos.

Um dos nomes mais replicados entre aqueles que aderiram o movimento antibanho é do médico americano James Hamblin, palestrante em políticas de saúde pública na Universidade de Yale e autor do livro “Clean: The new science of skin”. Em um artigo publicado no site The Atlantic, Hamblin fez as contas: nós gastamos até dois anos de vida tomando banhos diários. “Mas e se você superar a oleosidade e o cheiro, abraçá-los e simplesmente seguir em frente?”, questionou — e experimentou. Hamblin garante que após um período bem fedorento “seu ecossistema atinge um estado estável e você para de cheirar mal. Quero dizer, você não cheira a água de rosas, apenas como uma pessoa”.

— Isso é a mesma coisa que eu falar que tive Covid, tomei cloroquina e curei — compara o doutor Paulo Criado. — Para você falar que um comportamento faz a diferença, não adianta uma impressão pessoal. Tem que ter um conjunto de pacientes, fazer estudos clínicos randomizados.

Outra direção

A lista dos inimigos do sabonete inclui ainda outros nomes famosos. Julia Roberts , Brad Pitt , Johnny Depp e Charlize Theron também são conhecidos por não serem exatamente muito chegados em um chuveiro. Mas há, claro, o outro lado. Vendo o movimento recente de declarações contra o banho, o astro de filmes de ação Dwayne Johnson foi ao Twitter avisar que toma três por dia. Jason Momoa, que não à toa viveu o Aquaman nos cinemas, também reforçou ser bem banhado, e Anthony Mackie disse à “Vanity Fair” que gosta tanto que tem até um chuveiro feito sob medida para ele, em casa.

A ciência alerta: nenhum extremo deve ser incentivado. O biomédico especializado em microbiologia Roberto Figueiredo, conhecido como Dr. Bactéria, avisa que um banho por dia é mais do que o suficiente:

— O banho é importante para tirar resto de pele, de gordura, poluição, terra, poeira, o que chamamos de bactérias passageiras. Um segundo banho pode acabar tirando as bactérias que fazem parte do nosso microbioma, germes que protegem nossa pele.