Cultura

Fãs de Toquinho agora podem ganhar dinheiro com 'Tarde em Itapoã' e outros clássicos

Compra de catálogos chega ao Brasil de forma adaptada e sucessos da música nacional se tornam opções de investimento financeiro
O cantor e violonista Toquinho Foto: Rodrigo Ferraz/Zimel / Agência O Globo
O cantor e violonista Toquinho Foto: Rodrigo Ferraz/Zimel / Agência O Globo

Além de se encantar com os belos acordes, fãs de Toquinho agora podem também ganhar dinheiro com clássicos como “Aquarela” e “Tarde em Itapoã”. Enquanto lá fora corrida milionária pela compra de catálogos envolve nomes de peso como Bob Dylan e Paul Simon, no Brasil, os primeiros passos dessa capitalização  por parte dos músicos seguiu outro caminho, transformando canções em ações. Os artistas recebem um adiantamento dos royalties gerados pelas execuções públicas de suas obras por um determinado período de tempo, mas continuam detentores do próprio catálogo. O cantor e compositor Toquinho, o ex-RPM Paulo Ricardo, o pianista e arranjador Luiz Avellar e o sertanejo Felipe Goffi são alguns dos que aderiram ao modelo.

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Desde a última quinta-feira, canções de Toquinho estão disponíveis no mercado financeiro, por meio de Cédula de Crédito Bancário (CCB). Ele é o mais novo artista brasileiro a participar de uma operação financeira com a Hurst Capital, empresa de São Paulo que trabalha com investimentos alternativos — entre eles, a música — e é pioneira nesse negócio no Brasil.

Para os artistas, esse modelo de investimento veio na hora certa. Sem a possibilidade de fazer shows e turnês por tempo ainda indeterminado, cada vez mais eles prestam atenção às possibilidades de ganhos.

— Felizmente, estamos voltando agora os olhos aos recebíveis dos autores. É uma oportunidade de capitalização que a gente não tinha — diz Toquinho.

Streaming e previsibilidade

O cantor e compositor Paulo Ricardo Foto: Divulgação
O cantor e compositor Paulo Ricardo Foto: Divulgação

Esse tipo de investimento se tornou possível graças à establização das plataformas  de streaming, que projetam um cenário de crescimento até ao menos 2030. Além disso, o  Ecad mapeia o volume de execuções públicas (rádio, TV e shows, entre outras modalidades), gerando uma previsibilidade dos rendimentos gerados por cada canção.

Com turnês ou festivais suspensos em todo o mundo por causa da pandemia de Covid-19 , o streaming virou a principal fonte de sustento dos músicos e gerou essa corrida milionária pela compra de catálogos . Bob Dylan vendeu suas mais de 600 canções por US$ 300 milhões para a Universal Music em dezembro; em março, Paul Simon negociou 400 obras com a Sony por valores não informados. Com isso, Dylan e Simon não terão mais direito aos royalties de suas composições no futuro.

“Antecipar recebíveis” é calcular quanto um catálogo pode faturar num determinado período de tempo e oferecer um adiantamento, em troca da administração de seus rendimentos. No caso de Paulo Ricardo, a operação dura 78 meses. Coautor de hits como “Olhar 43” e “Vida real”, a música-tema do “Big Brother Brasil”, Paulo festeja a iniciativa:

— O mercado entendeu que a propriedade intelectual se torna um investimento cada vez mais sólido. Haja o que houver, as pessoas não vão parar de ouvir música.

Investimento alto

Ex-tecladista e guitarrista do grupo de rock Hanoi Hanoi, o advogado especializado em direito autoral Ricardo Bacelar vê o modelo da Hurst como “uma espécie de precatório”.

— Um valor é adiantado ao dono do catálogo, que gera, após um tempo, dividendos para quem investiu algum dinheiro ali. O que se negocia não são os direitos do artista, e sim seus rendimentos, os recebíveis, que podem variar de acordo com a relevância do catálogo — diz.

O aporte inicial num artista da Hurst Capital é de R$ 10 mil. Investimento considerável — portanto, deve ser muito bem avaliado pelos fãs que desejarem investir em seus ídolos, como recomenda Bacelar:

— Aquele fã que compra tudo do ídolo pode querer fazer um aporte como um gesto de carinho. Mas eu aconselharia a fazer uma análise mais financeira do que afetiva. É um investimento alternativo, não é conservador, e por isso, merece observação — argumenta ele, considerando, por outro lado, as necessidades dos artistas. — Nesta época sem shows, eles precisam de outras alternativas de renda. Essa é uma fonte de negociar o que se tem a receber, com possibilidade de lucro para os investidores.

Valor dos clássicos

E os investidores no catálogo de Paulo Ricardo, por exemplo, torcem para que “Vida real” bata recordes de audiência no “BBB”. Mês a mês, eles recebem da Hurst dividendos do seu investimento. Já com Toquinho o retorno será no fim da operação, daqui a 12 meses.

— Algumas operações de antecipação de recebíveis em cima da gestão coletiva já aconteciam nas gravadoras. O que fizemos foi tornar isso possível para o pequeno investidor — detalha Arthur Farache, CEO da Hurst.

Assim, o Brasil se prepara para ficar mais próximo da realidade do maior investidor em música do mundo atualmente: Merck Mercuriadis. O  britânico, dono da empresa Hipgnosis, criou um fundo de 1,5 bilhão de libras e comprou catálogos (ou parte deles) de gente como Neil Young, Shakira e Fleetwood Mac. Hoje, a Hipgnosis tem participação em cerca de três mil número 1 e cinco das canções do Top 10 da Billboard da última década.

— Sou defensor do investimento no próprio catálogo. Hoje vivemos um fenômeno de músicas descartáveis. Artistas muito populares lançam novos produtos a cada mês, e isso se perde. Por isso, os investidores devem ter uma visão de futuro para adquirir fonogramas com vida útil longa, para ter lucro no tempo — defende Bacelar.