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Cultura

Favoritos de Drake e Beyoncé, australianos do Hiatus Kaiyote lançam o seu disco ‘brasileiro’

Viagem para gravar arranjos com Arthur Verocai acabou decidindo, de forma inesperada e regada a cachaça, rumos do grupo no novo álbum, 'Mood Valiant'
O grupo australiano Hiatus Kaiyote, liderado pela vocalista e guitarrista Nai Palm Foto: Tré Koch / Divulgação
O grupo australiano Hiatus Kaiyote, liderado pela vocalista e guitarrista Nai Palm Foto: Tré Koch / Divulgação

RIO - A viagem ao Brasil, em dezembro de 2019, mudou a vida da cantora, compositora e guitarrista australiana Nai Palm, de 32 anos. E decidiu os destinos de “Mood Valiant”, o terceiro álbum de sua banda, o Hiatus Kayote, que chega esta sexta-feira ao streaming. Quarteto de sonoridade indefinível, que se esgueira entre o jazz, o soul e as vanguardas eletrônicas (e que teve suas músicas sampleadas por artistas tão grandes quanto Beyoncé, Drake e Kendrick Lamar), o grupo tinha resolvido apostar em um trabalho com o carioca Arthur Verocai — arranjador de Jorge Ben, Marcos Valle e Gal Costa. O obscuro LP solo do maestro de 1972 virou cult ao ser sampleado por diversos rappers nos Estados Unidos.

— Somos grandes fãs da música do Verocai, há muitos anos. Era uma colaboração que sonhávamos fazer. Nós fomos atrás e ele concordou em fazer um arranjo. De última hora, nós montamos uma turnê só para poder pagar as passagens e fomos mesmo sem saber como tinha ficado o arranjo, ia ser uma surpresa para nós — conta Nai (nome de batismo: Naomi Saalfield), em entrevista por Zoom, às dez da noite de Melbourne (nove da manhã no Rio).

Eles cumpriram os shows no Brasil e aproveitaram a parada no Rio, onde se apresentaram no Circo Voador, para acompanhar as gravações dos naipes de cordas e sopros no arranjo que Arthur Verocai fez para a faixa “Get sun”. O maestro reuniu, para a sessão, músicos que vieram até da Orquestra Sinfônica Brasileira.

— Essa música segue um pouco dos meus caminhos daquele meu disco de 72, é bem experimental — conta o arranjador, que ainda entrou como coautor na música de abertura do álbum, a vinheta “The flight of the tiger lilly”, feita a partir do arranjo de “Get sun”.

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O esperado encontro com o ídolo e o bom clima no estúdio Companhia dos Técnicos, em Copacabana, acabaram inspirando o Hiatus Kaiyote a pegar instrumentos e gravar mais duas faixas que acabaram no disco: “Red room” e “Stone or lavender” (que depois ganhou arranjo de cordas de Verocai).

— “Red room”, a gente compôs no estúdio. William Luna, o engenheiro de som, tinha uma garrafa de cachaça... algo que eu nunca tinha bebido! Acabou que ficamos lá até quatro da manhã. A música era só um improviso, ela nem estava programada para entrar no disco, e acabou virando um single — recorda-se Nai Palm. — A cabine onde gravei a voz tinha uma luz vermelha e me lembrou da casa onde morei, onde tinha uma janela de vidro colorido que fazia o quarto inteiro brilhar no pôr do sol. Essa música é uma celebração desse tipo de mágica, que não é como aquelas coisas de Harry Potter, mas algo simples, que te traz alegria ao dia.

Com o fim da turnê, Nai acabou seguindo diretamente para a Amazônia.

— Minha amiga Ana, uma carioca que vive em São Paulo, era amiga do pajé Metsa, do clã Varinawa, e ele a convidou para visitá-lo e conhecer sua família. Calhou de eu estar por ali e ela me chamar para ir junto. Foi muito bonito conhecer o lado indígena do Brasil, passei dez dias lá. No disco, pus algumas gravações de vozes de anciãos que estavam me ensinando a falar os nomes dos pássaros, tem muito Brasil no disco! – conta a cantora, que ainda usou a gravação do canto de um pássaro, tirada do documentário “Corumbiara”, em “Get sun”. — Somos muito inspirados pela natureza. E para mim foi muito importante ter pássaros no disco. Já resgatei muitos pássaros, eles enriquecem minha vida.

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Com razão, a cantora não tem andado animada com as notícias que chegam sobre a situação da Amazônia:

— As comunidades indígenas são as mais indicadas para proteger o meio ambiente e conter a crise climática, devemos ouvir seus conselhos sobre como cuidar melhor do planeta. Mas é difícil, porque vivemos numa era moderna em que a indústria e as madeireiras estão mais interessadas no dólar rápido, e é basicamente isso que está arruinando o planeta.

Homenagem à mãe

Em “Mood Valiant”, Nai Palm presta uma homenagem à mãe, que morreu de câncer no seio quando ela tinha apenas 11 anos.

— Quando eu era criança, minha mãe tinha dois ( carros ) Valiant Safari Wagons, um era branco e o outro, preto. Ela costumava usar mais o branco. Mas, quando resolvia pegar o carro preto, isso era um sinal para que ninguém mexesse com ela — conta. — Para mim, era muito importante fazer essa homenagem, porque durante as gravações eu mesma passei por um diagnóstico de câncer no seio. Além do mais, a palavra Valiant é tão bonita!

Inspirar outros artistas — Drake, Beyoncé ou talentos ainda desconhecidos — é o que mais a tem estimulado Nai Palm em seu trabalho com o Hiatus Kaiyote:

— Fizemos um concurso de remixes de “Get sun” para o Record Store Day e o ganhador foi um garoto de 16 anos, de Melbourne, que tinha acabado de sair de um tratamento de câncer. Ele teve só um dia para fazer seu remix, foi incrível!