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Cultura

Festivais virtuais e vendas on-line serão o novo normal do mercado editorial pós-pandemia

Folhear livros? Só depois de passar álcool gel nas mãos. Festivais literários? Só com público reduzido
O livreiro Philippe Seyrat usa máscara protetora na livraria La Sorbonne, em Nice, na França, onde o comércio começa a reabrir aos poucos Foto: ERIC GAILLARD / REUTERS
O livreiro Philippe Seyrat usa máscara protetora na livraria La Sorbonne, em Nice, na França, onde o comércio começa a reabrir aos poucos Foto: ERIC GAILLARD / REUTERS

SÃO PAULO – Quem está ansioso para passear entre estantes de livros, entrar na fila de autógrafos e aproveitar indicações de livreiros, se prepare. Quando as livrarias reabrirem, será preciso lambuzar as mãos com álcool gel antes de folhear os livros. Mesmo passado o pico da pandemia, os eventos de lançamento continuarão sendo virtuais, e a conversa com os livreiros será à distância, às vezes por aplicativos de mensagem. Lá estarão os lançamentos já previstos, mas, por um tempo, a oferta de novos títulos será menor que o normal. Festivais literários? Com público reduzido e talvez ao ar livre.

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Por enquanto, não há data para a reabertura das livrarias no Brasil. Mas Rui Campos, proprietário da Livraria da Travessa , está animado. O desconfinamento em Portugal permitiu a reabertura da Travessa de Lisboa em 4 de maio — com horários reduzidos, funcionários mascarados, restrição de público, muito álcool gel e outras medidas adotadas na Europa e nos Estados Unidos, onde o comércio já volta a funcionar.

— Foi a melhor segunda-feira do ano — comemora Campos. — O movimento tem sido bom, o que nos dá esperança para a reabertura das nossas nove lojas brasileiras. Estocamos álcool gel e vamos reorganizar as lojas para aumentar o espaço de circulação das pessoas.

Do cafézinho para as vendas virtuais

De portas fechadas, livrarias acostumadas a conquistar o público do bairro com boa curadoria, eventos e cafezinho investiram em vendas virtuais. O e-commerce da Travessa, que representava cerca de 12% do faturamento da rede, cresceu 50%. A Livraria Mandarina, em São Paulo, antecipou o lançamento de seu e-commerce para o final deste mês e, enquanto isso, recebe pedidos por telefone, e-mail, redes sociais e aplicativos de mensagem. Há encomendas de diversos estados.

— Sacamos que dá, sim, para vender on-line — afirma Daniela Amendola, sócia da Mandarina. — Com o e-commerce, esperamos vender para todo o Brasil. Vamos continuar indicando livros, só que de máscara e às vezes por WhatsApp, não cara a cara.

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A Mandarina exemplifica o que Bernardo Gurbanov, presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL) chama de “modelo híbrido” a ser adotado por pequenas livrarias no pós-pandemia: investir em vendas on-line sem descuidar do atendimento presencial.

— Alguns leitores vão correr para as lojas. Já outros vão continuar, como nos últimos meses, comprando on-line — diz Gurbanov, que ressalta a importância da abertura de linhas de créditos para socorrer livrarias e editoras em dificuldade.

Projeto de auxílio

No último mês, chegaram ao Congresso dois projetos de lei para auxiliar editoras e livrarias. O senador Jean Paul Prates (PT-RN) e a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) propõem abertura de linhas de crédito a juros camaradas e o envio de livros subsidiado pelos Correios.

As vendas, aliás, despencaram durante a quarentena . Segundo o Painel do Varejo de Livros no Brasil, o faturamento do mercado editorial encolheu 47,61% em abril. Segundo fontes das editoras, mesmo que haja uma retomada, essa queda deve se reverter em enxugamento de estrutura e mais seletividade nos lançamentos, adiando, por ora, projetos de retorno incerto.

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Por outro lado, a compra de e-books cresceu. Entre 9 de março e 26 de abril, a Bookwire distribuiu 9,5 milhões de livros digitais — quase 80% dos 12 milhões vendidos em 2019. Segundo Marcelo Gioia, CEO da Bookwire, a quarentena acelerou a formação de leitores “multiformato”, que leem no papel e na tela. As editoras, muitas das quais têm disponibilizado livros gratuitos ou a preços irrisórios na rede, se preparam para garantir o estoque de e-books dos leitores “multiformato” quando passar a pandemia.

— Não tínhamos muita intenção de migrar para o digital, mas decidimos oferecer e-books em um e-commerce próprio até setembro – diz Florence Curimbaba, fundadora da Temporal, dedicada a textos teatrais.

Como as noites de autógrafo não vão voltar tão cedo, as editoras pretendem continuar investindo em eventos virtuais em parceria com livrarias. Durante a quarentena, as lives aproximaram escritores do público leitor e, com alguma frequência, resultaram no aumento das vendas on-line.

Flip adiada para novembro

Otavio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras, aposta na proliferação de festivais literários virtuais organizados pelas editoras para divulgar os seus autores. Neste fim de semana, a Companhia apresenta a segunda edição do festival Na Janela, uma parceria com a Amazon transmitida pelo YouTube. A primeira edição ocorreu em abril.

— Para as editoras, é muito desejável estabelecer contato direito com o leitor por meio desses festivais, especialmente num momento em que aumentam as vendas virtuais. Não teremos nada presencial até, no mínimo, agosto, e planejamos outros festivais. Os nossos, é claro, não substituem os festivais independentes.

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A pandemia adiou para novembro a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) e a Feira Literária de Poços de Caldas (Flipoços). Segundo a curadora Gisele Corrêa Ferreira, em respeito ao distanciamento social, o público da Flipoços será reduzido. Ela não descarta realizar conversas com autores ao ar livre. Uso de máscaras? A conferir.

A Flip informa que a organização da próxima edição levará em conta os “novos protocolos de saúde” e as experiências compartilhadas na Global Association of Literaty Festivals (Associação Global de Festivais Literários), entidade recém-fundada para pensar as festas literárias pós-pandemia.

Se serve de consolo aos leitores, ainda que encontros em livrarias e as festas literárias demorem a voltar, não vão faltar livros no mundo pós-pandemia — livros digitais ou de papel, devidamente desinfetados com álcool gel.

— Durante a quarentena, redescobrimos o prazer da leitura — diz Mauro Palermo, diretor da Globo Livros. — Obrigados a ficar sozinhos e ao lazer indoor , constatamos que o livro é uma companhia excepcional.

*Colaborou Emiliano Urbim