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Cultura

Grammy: lista de indicados mostra falta de sintonia com a música contemporânea

Indicações foram alvo de revolta de artistas, como Drake e o esnobado The Weeknd, e indicam que a premiação carece de uma direção mais coesa e alinhada com o momento
O rapper Weeknd, esnobado pelo Grammy Foto: Lucas Tavares / Zimel Press
O rapper Weeknd, esnobado pelo Grammy Foto: Lucas Tavares / Zimel Press

NOVA YORK —  Há décadas, o Grammy mantém uma relação tensa com o que pretende celebrar: a música. Todo ano, as indicações feitas pelos membros da Academia da Gravação são divulgadas e, rapidamente, público e artistas reagem com aprovação relutante e certo desânimo às várias surpresas e também aos nomes esnobados.

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Na última semana, com a lista de 2021, não foi diferente. A categoria de performance de rock preenchida apenas por mulheres gerou reações exultantes, assim como a justiça feita a artistas como Phoebe Bridgers, Fiona Apple, HAIM, Megan Thee Stallion e Dua Lipa. Por outro lado, gerou forte indignação o desprezo ao canadense The Weeknd, cujo disco “After hours”, carregado de emoção e sintetizadores, é inegavelmente um dos maiores sucessos comerciais e de crítica do ano.

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O rapper Drake Foto: Marcelo Theobald
O rapper Drake Foto: Marcelo Theobald

De Drake a Elton John, muitos expuseram sua revolta. Enquanto o rapper apontou uma “desconexão entre a música que impacta e estes prêmios”, o roqueiro veterano disse que, para ele, “Blinding lights”, hit de The Weeknd, deveria vencer em canção e gravação do ano, duas das categorias mais cobiçadas do Grammy. Weeknd também se manifestou , apontando no Twitter que a premiação é “corrupta” e devia explicações a ele, aos fãs e à indústria, como um todo.

E não foi só. O Grammy também praticamente esqueceu dos reis do K-pop BTS (com apenas uma indicação) e ignorou sucessos contemporâneos do country, como The Highwomen, The Chicks e Luke Combs. Também foi desconcertante a falta de reconhecimento em torno dos lançamentos póstumos de Mac Miller, Juice WRLD e Pop Smoke, pesos pesados do hip-hop que se foram cedo demais.

As indicações ao Grammy são sempre complicadas. E a Academia da Gravação é conhecida por ter um entendimento tênue, na melhor das hipóteses, da música contemporânea. O que deixa a lista para 2021 um pouco diferente, no entanto, é que a Academia está sob mais escrutínio do que nunca na sequência de movimentos como #MeToo e Black Lives Matter. A lista irregular de indicações de agora pode muito bem ser um espelho da aparente falta de direção interna da empresa.

Passos para trás

Nos últimos dois anos, a Academia se incomodou ainda mais com os crescentes pedidos por inclusão e diversidade na música, um problema que se tornou dolorosamente notório desde que o ex-presidente e CEO da entidade, Neil Portnow, sugeriu que artistas mulheres deveriam “melhorar” se quisessem ser mais reconhecidas. Desde a gafe de Portnow, a Academia prometeu mudanças radicais e maior consciência. Lançou as iniciativas Women in The Mix e a Força-Tarefa por Diversidade e Inclusão, e contratou sua primeira CEO mulher, Deborah Dugan.

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Mas a cada passo para frente, a Academia acaba sendo jogada para trás. Dugan foi suspensa dez dias antes da cerimônia de janeiro deste ano. A Academia tentou se antecipar, alegando “conduta imprópria”, mas Dugan atirou de volta com uma alegação explosiva de discriminação. Afirmou que Portnow estuprou uma artista mulher, e que ela também tinha sido vítima de assédio sexual, cometido por Joel Katz, outro poderoso da política interna da Academia. Se não bastasse, Dugan ainda disse que o processo de votação do Grammy era “manipulado” e “corrompido”, acusações negadas veementemente pela Academia. Portnow e Katz também disseram que Dugan mentiu sobre seus supostos crimes sexuais.

A Academia tentou juntar as peças de novo. Desta vez, é liderada pelo presidente e CEO interino Harvey Mason Jr., um produtor prestigiado que trabalhou com nomes como Justin Timberlake, Michael Jackson e Britney Spears. Em meio a tantos problemas internos e externos, a maioria dos envolvidos concorda que Mason Jr. fez um trabalho louvável suavizando as coisas. Ele implementou um conselho de funcionários, lançou projetos como a Black Music Collective, esclareceu o processo de votação do Grammy, deu as boas-vindas a uma nova classe diversificada de membros e contratou um diretor de Diversidade e Inclusão.

Por categorias

O rapper Tyler, The Creator Foto: Divulgação
O rapper Tyler, The Creator Foto: Divulgação

No lado da premiação, artistas negros ganharam mais Grammys e indicações do que nunca, mas eles são continuamente inseridos em categorias não pop. Uma das teorias para a falta de indicações para The Weeknd, aliás, é que os votantes não teriam se decidido entre indicá-lo para segmentos como r&b ou pop, o que teria misturado os votos e enfraquecido-os.

— É uma pena que sempre que nós, e quero dizer caras que se parecem comigo, fazemos algo com diferentes gêneros, eles nos coloquem em uma categoria de rap ou urbano. Eu não gosto dessa palavra “urbana”. É apenas uma maneira politicamente correta de me chamar de preto — disse Tyler, the Creator, no ano passado, na sala de imprensa do Grammy, após receber o prêmio de melhor álbum de rap.

Para este ano, o termo “urbano” foi substituído por “progressivo”, e “world music” por “global music ”. Mas, para o site Pitchfork, o fato de existir estas categorias separatistas é uma indicação de falta de boa audição dos votantes, no mínimo.

A verdade é que, apesar de todas as promessas e discursos, a Academia da Gravação ainda carece de uma direção coesa. Por fora, o discurso de assessoria é que a instituição se preocupa com todos os músicos, está aprendendo, crescendo, e que simplesmente há muitos artistas para poucos troféus. Mas, internamente, como vimos com a falta de reconhecimento ao talento de The Weeknd, o processo de votação ainda parece muito político. Além do mais, ainda não há um CEO permanente e a rotatividade nos altos cargos é rara.

Enquanto a música evolui muito rapidamente, a preguiçosa Academia da Gravação falha em acompanhar. E até que isso aconteça, não espere que as indicações ao Grammy se alinhem às expectativas dos consumidores ou artistas.