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Cultura

Kings of Convenience voltam depois de 12 anos para fazer graça dos desencantos do amor

Em 'Peace or love', dupla norueguesa atinge o amadurecimento musical sem perder o olhar sensível para os mistérios e impossibilidades da paixão
A dupla norueguesa Kings of Convenience Foto: Divulgação
A dupla norueguesa Kings of Convenience Foto: Divulgação

RIO - Paz ou amor? — porque você nunca vai ter ambos. O desencanto recreativo dos bons tempos não abandona a dupla norueguesa Kings of Convenience em seu novo álbum, “Peace or love”, que chega esta sexta-feira ao streaming após um hiato de lançamentos que eles vinham mantendo desde 2009.

Aos 45 anos de idade, 20 depois do seu CD de estreia (o irônico manifesto “Quiet is the new loud” — algo como “silêncio é o novo barulho”), Erlend Øye e Eirik Glambek Bøe não têm como esconder a maturidade adquirida. Seus esforços musicais hoje são bem mais consistentes do que os do começo da carreira, quando a fragilidade de suas produções dava um certo charme às investidas no competitivo mundo do indie pop. Mas, para eles, o amor continua a ser um assunto dominado por mistérios e impossibilidades dos mais variados.

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Faixa com a sonoridade mais contemporânea de todo o disco (e lançada anteriormente como single), “Fever” se constrói como uma bela e, ao mesmo tempo, bem-humorada canção de paixão platônica. Enquanto o objeto do amor tem febre, porque se divertiu demais “com alguém que não vai cuidar de você”, o cantor sofre com um tipo diferente de moléstia: a que o aquece e o faz “desejar estar com você quase todos os segundos do dia”.

Esses são os Kings of Convenience no que têm de mais típico — verdadeiros reservatórios de sensibilidade incompreendida que, lá pelo começo dos anos 2000 (assim como os escoceses Belle & Sebastian e o sueco Jens Lekman), angariaram a simpatia de jovens em todo mundo com canções calmas, singelas e um tanto quanto mordazes.

Uma levada de bossa nova (razão pela qual talvez a dupla tenha tido boa ressonância no Brasil, onde ficou célebre uma apresentação informal que fez na praia de Ipanema, em 2005) marca outro single antecipado do álbum, “Rocky trail”, que ecoa também o folk do inglês Nick Drake e do grupo America, com uma letra sobre os desencontros naturais dos seres humanos: “talvez você pudesse ter dito que havia um mundo em seus ombros / talvez eu pudesse ter ajudado”. Uma estrutura musical bem similar à de “Rocky trail”serve a “Angel”, talvez a faixa mais ferina de “Peace or love”, notadamente nos versos “anjo / ela é um anjo / embora possa ser um pouco... promíscua”.

Uma das mostras da evolução musical dos Kings of Convenience pode ser vista no fato de que agora eles são capazes de criar suas próprias e convincentes versões do folk sessentista de Simon & Garfunkel, com violões e harmonias vocais impecáveis. Nesse departamento, inscrevem-se no novo disco faixas como “Rumours”, “Comb my hair” e “Ask for help” — esta, uma exultante canção de mão estendida ao amor hesitante.

Em dois número de “Peace or love”, Erlend e Eirik contam com a participação estrelada de uma colega dos dias gloriosos da explosão mundial do folk-pop: a cantora canadense Leslie Feist. São a sambalançada “Catholic country” e a violeira “Love is a lonely thing”, pungente em seus versos de encerramento: “uma vez que você vive essa mágica / quem pode viver sem ela?”.

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Surpreendentemente, a parte final de “Peace or love” traz duas de suas músicas mais sentimentais e, ao mesmo tempo, bem sacadas da coleção. Construída em violões em vozes, a metacanção “Song about it” se ergue em meio à placidez sonora geral do disco para ir, como poucas composições da música popular, direto na veia da questão amorosa (“quem vai dizer se está certo ou errado / tudo depende de que lado você está”). Enquanto isso, a derradeira “Washing machine” rima de forma hilária “máquina de lavar” com “autoestima” para anunciar o fim dos velhos joguinhos do amor sem futuro que afligem o narrador: “Vá arrumar um outro alguém!”, esconjura ele.

“É bem, bem difícil fazer algo que soe simples”, reconheceu Eirik Glambek Bøe, em entrevista para o texto de apresentação à imprensa de “Peace or love”. E ele tem toda razão em suas impressões: se tem algo em que os Kings of Convenience são reis é no trabalho de transformar as experiências mais incômodas e vexatórias da humanidade enquanto apaixonada em música pop que pareça banal (mas que está muito longe disso) e que você vai cantar, sem esforço, com um sorriso no canto da boca.

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Nisso, os anos de experiência não atrapalharam em nada a produção da dupla: o sentimento que eles cuidam de embalar nas 11 canções do novo disco é rigorosamente o mesmo que tinham quando eram jovens e inocentes. O que os Kings of Convenience têm de essencial a idade não apagou.