Cultura

Maestro e arranjador de destaque da MPB, Letieres Leite morre aos 61 anos

Criador e líder da Orkestra Rumpilezz, expoente da moderna música brasileira com raízes africanas, morreu nesta quarta-feira (27) em decorrência da Covid-19
O músico e maestro Letieres Leite Foto: Uanderson Brittes
O músico e maestro Letieres Leite Foto: Uanderson Brittes

Referência da música afrobrasileira, celebrado por suas criações com a Orkestra Rumpilezz e por trabalhos com grandes nomes da MPB, de Caetano Veloso e Maria Bethânia a Ivete Sangalo e Liniker, o maestro, compositor e instrumentista baiano Letieres Leite morreu orreu nesta quarta-feira (27). Segundo o jornal baiano “A Tarde”, a causa foi um quadro de asma em decorrência da Covid-19.

Letieres dos Santos Leite nasceu em Salvador e tinha 61 anos. Ele estava à frente do Instituto Rumpilezz, mesmo nome da orquestra que criou. Além de reger a orquestra, o artista era o responsável por todo o conceito - figurinos, ambientação - passando pelas composições e arranjos de sopro e percussão.

Percussionista e saxofonista que acompanhou a cantora Ivete Sangalo por mais de 12 anos, o músico baiano foi o responsável pelos arranjos de muitos sucessos da musa, incluindo “Festa”, “Empurra-empurra”, “Tô na rua” e “Abalou”.

Letieres Leite começou a “alinhavar as primeiras ideias” no tempo em que estudava no Konservatorium Franz Schubert, em Viena, na Áustria, onde morou de 1985 a 1994. De volta a Salvador, lecionou na Universidade Federal da Bahia, dedicando-se ao ensino de música a partir da linguagem percussiva baiana e montou uma escola chamada Academia de Música da Bahia, onde começou a desenvolver pesquisas.

Em 2006, Letieres Leite criou a Orkestra Rumpilezz, dedicada a unir as tradições musicais baianas, africanas e da orquestração européia. Em 2008, a Orkestra gravou o seu primeiro CD, lançado no ano seguinte pelo selo Biscoito Fino, com oito músicas de autoria de Letieres. O trabalho recebeu muitos elogios da crítica. Na orquestra, Letieres compunha, arranjava e regia, além de tocar sax e agogô.

Tanto as composições quanto os arranjos de autoria de Letieres Leite são concebidos a partir das claves e desenhos rítmicos do universo percussivo da Bahia, com inspiração em grandes agremiações percussivas de Salvador (como o Ilê Aiyê e Olodum), no samba de roda do Recôncavo e no candomblé.

"Na realidade, toda música brasileira é afrobrasileira" disse Letieres, em 2020, em entrevista ao site El Cabong. "O que eu falo é da música afrobrasileira mais próxima da sua origem, na sua primeira formação, que é ligada às questões religiosas, geralmente. É de onde vem a matriz. A matriz do samba sai de dentro da religião, a matriz do ijexá e do maracatu também. Todas saem da mesma árvore e as raízes dessa árvores são as nações do candomblé. Minha paixão é essa."

Ao longo dos anos, Letieres Leite participou de trabalhos com Gilberto Gil, Nação Zumbi, Paulo Miklos, Elza Soares (ele inclusive fez arranjos para o musical sobre a cantora) e BaianaSystem. Além da Rumpilezz (com quem montou um espetáculo sobre as obras de Dorival Caymmi), ele também criou o Letieres Leite Quinteto, mais jazzístico, com o qual lançou em 2019 o disco "O enigma Lexeu".

Ainda em 2019, Letieres Leite liderou antológica noite no Circo Voador, que reuniu a Rumpilezz a Caetano Veloso e ao saxofonista e astro do novo jazz americano Kamasi Washington.

Entre os últimos trabalhos do baiano, estão arranjos para os discos de Maria Bethânia (de quem ele dirigiu o show "Claros breus" em 2019), Caetano , Liniker e Márcia Castro. Para o início de dezembro, está programado pela gravadora Rocinante "Moacir de todos os santos", álbum da Orkestra Rumpilezz reinterpretando as composições do disco "Coisas" (1965), do maestro, arranjador e compositor Moacir Santos.

— Letieres foi um dos mais importantes criadores brasileiros do século XXI, um professor revolucionário e profundamente generoso e um dos principais pensadores da música negra no Brasil. Ele nos deixa no auge de sua potência criativa, com mil projetos na cabeça — dizem, em comunicado conjunto, Sylvio Fraga e Pepê Monnerat, diretores da Rocinante.

Amigos e colegas lamentaram a perda do artista nas redes sociais. Caetano Veloso se disse "arrasado" com a notícia e comentou, no Instagram: "Ele era muito próximo. Ensinou meu filho Zeca a surfar, quando ele era menino. A música baiana, a música brasileira, a música perdeu hoje um dos seus maiores formadores. A vida perdeu um dos seus mais dignos representantes."

O rapper Emicida tuitou: "Meu amigo e mestre Letieres Leite, nos deixou hoje. Meu peito está em frangalhos. Olhos cheios de água e uma saudade que a partir de agora, só aumenta. Obrigado por todas as aulas, mestre. Não estou acreditando…"

O cantor Lenine lamentou: "Letieres Leite partiu, deixando todos da música órfãos de sua grandeza e potência."

Ivete Sangalo, por sua vez, disse ter aprendido muito com Letieres: "Estou triste por sua partida. Não esquecerei jamais as inúmeras contribuições à música e à minha carreira, pois o seu talento é poderoso demais. Nossas viagens e nossos segredos. Te amo, maestro, por tudo e por nossa amizade eterna . Siga em paz."

E a cantora Daniela Mercury escreveu: "É muito difícil falar de alguém que a gente quer bem e admira. Que trouxe tanta beleza e novidade. Criador do @rumpilezz músico, arranjador e produtor musical talentosíssimo. Hoje é dia de chorar a partida de @letieresleite e agradecer pelo seu legado".