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Cultura

MC Kevin, que morreu ao cair de prédio, sonhava ser jogador de futebol e misturava ostentação e superação em suas músicas

Com apenas 23 anos, artista se tornou um dos maiores ídolos recentes do funk de São Paulo. Especialista compara o impacto de sua morte à do sertanejo Cristiano Araújo
O cantor MC Kevin: uma voz que representou a superação para milhões de fãs do funk de São Paulo Foto: Reprodução
O cantor MC Kevin: uma voz que representou a superação para milhões de fãs do funk de São Paulo Foto: Reprodução

Kevin Nascimento Bueno, o MC Kevin, sonhava ser jogador de futebol e vestir a camisa de um clube grande da primeira divisão de São Paulo, sua cidade natal. Acabou se tornando "o menino que encantou a quebrada", como diz o título de um hit do artista, que morreu na noite deste domingo (16), aos 23 anos. Em vez de estádios esportivos, o "cria" da Vila Ede acabou arrastando multidões como MC, profissão que, nas periferias, simboliza para muitos jovens o passaporte para a fama e o conforto financeiro.

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A história de Kevin na música começou meio de brincadeira. Junto com seus irmãos e amigos, frequentava bailes funk e passou a mostrar sua habilidade de fazer rimas na hora. Surgiu, então, a vontade de participar de eventos e rodas de funk em sua vila e bairros na região da Zona Norte de São Paulo.

Se tornou uma voz que representou a superação para milhões de fãs do funk de São Paulo, com sucessos recentes que transitaram entre a ostentação juvenil, traço recorrente da geração hedonista da qual fazia parte, as conquistas amorosas, as vitórias em meio à dura realidade na periferia e as mensagens de apoio à nova geração do funk. Uma turma que subiu nas paradas de sucesso com menos "proibidão" e mais músicas emotivas sobre a vida na favela (às vezes, até com um toque religioso) e, por isso, vem sendo chamada de "funk consciente".

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- Ele faz parte dessa nova geração de boom do funk, em que entra o funk ostentação, e São Paulo vira protagonista do gênero - analisa André Izidro, CEO da agência musical Atabaque, que trabalhou como diretor de marketing da KondZilla  por dois anos e passou pela gravadora Som Livre. - O Kevin é da mesma geração do Kevinho, que estourou no meio super pop, só que o Kevin permaneceu navegando no funk consciente e outros subgêneros e sempre foi muito bem aceito em São Paulo, que o tem como referência por todo o trabalho que construiu.

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Kevin ajudou a popularizar o bordão “esquece”, adotado por fãs e outros artistas. Entre seus sucessos estão o versos sensuais de “Veracruz” e "Cavalinho" (com MC Don Juan), a letra de superação de obstáculos de "Cavalo de tróia", além de "Pra inveja é tchau" e “O menino que encantou a quebrada”. O músico participou de parcerias com outros MCs que faziam críticas sociais. Um dos maiores sucessos de Kevin é "Vergonha pra mídia", parceria com MCs do tal funk consciente, liderada por Salvador da Rima. A faixa se tornou um hino instantâneo da juventude de periferia ao unir funk e rap de protesto.

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Outra parceria recente de sucesso da qual Kevin participou em 2021 foi “Hit do ano”, com os então colegas da produtora de funk de São Paulo GR6, da qual ele fazia parte. Mas o artista também colecionou brigas, inclusive com a própria produtora, com a qual ele havia rompido há pouco tempo. Também se desentendeu com vizinhos do prédio onde morava, em Mogi das Cruzes.

Este ano, Kevin, que soma nove milhões de seguidores no Instagram, e 1,8 mil no Spotify, lançou o EP “Fênix”, com músicas como “Maconheiro nato” e “Vida de solteiro é bom”. Um mês antes de morrer, lançou uma faixa chamada “A última”.

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A morte do artista fez muita gente que não acompanha a cena funk paulista pensar: "Mas quem é esse tal de Kevin?". André Izidro explica um pouco desse fenômeno.

- Kevin circula nesse universo funk de São Paulo, que tem muita força, mas não dialoga com o Brasil. Recentemente, Paulin da Capital e MC Lipi foram artistas que fizeram parte no Top Youtube Brasil, mas que muita gente não sabe quem são - observa. - Quando Cristiano Araújo Morreu, muita gente se perguntou a mesma coisa. Era um ícone sertanejo reconhecido muito mais no centro-oeste e no interior do que no sudeste, mas que parou a programação da Globo porque a emissora percebeu que a audiência era muito alta. Cristiano tinha uma história construída similar ao Kevin no funk, que sabe quem ele é. Kevin tinha uma carreira estabelecida e passa a representar para o gênero, o que Daleste ( morto em 2013 ) e Zoi de Gato ( que morreu em 2019 ), dois que tiverem uma carreira muito breve, representaram. Eles sempre voltam representados pelos novos. Neguinho do Kaxeta e MC Lon são "relíquia", personagens icônicos de gerações anteriores que se tornaram referência para as novas gerações. Kevin vai virar referência por tudo que deixou.

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