Cultura

Museu do Louvre prepara reabertura com desafio de compensar ausência de turistas estrangeiros

Presidente-diretor do museu, Jean-Luc Martinez acredita que instituição atravessará três anos de menor visitação: 'Economicamente, os museus não são viáveis, não são rentáveis. Museu é um investimento cultural, educativo'. Reabertura será no dia 6
Com público constituído majoritariamente por visitantes estrangeiros, o Louvre terá dificuldades em recuperar a curto prazo seus invejáveis números de visitação. Foto: Fernando Eichenberg / Agência O Globo
Com público constituído majoritariamente por visitantes estrangeiros, o Louvre terá dificuldades em recuperar a curto prazo seus invejáveis números de visitação. Foto: Fernando Eichenberg / Agência O Globo

PARIS Após mais de três meses de confinamento, a Mona Lisa se prepara para seu aguardado reencontro com o público saudoso de seu enigmático sorriso. Fechado desde 13 de março por causa das medidas de isolamento social de prevenção à Covid-19, o Museu do Louvre reabrirá suas portas no próximo dia 6. Desde a Segunda Guerra Mundial, o museu mais frequentado do mundo (9,6 milhões de visitantes em 2019) não permanecia por tanto tempo inativo.

O GLOBO foi o único veículo brasileiro a participar de uma visita guiada para a imprensa realizada no Louvre antes de sua reabertura, evento no qual a reportagem realizou fotos exclusivas.

Alerta : 13% dos museus no mundo podem não reabrir após a Covid-19, aponta Unesco

Seu presidente, Jean-Luc Martinez, no posto desde 2013, prevê um longo e difícil retorno, mas também uma oportunidade para questionamentos e reinvenção da célebre instituição em meio à crise pandêmica. Assumido como um museu habitado por turistas internacionais, o Louvre terá dificuldades em recuperar a curto prazo seus invejáveis números de visitação.

— Nosso público é constituído de 75% de visitantes estrangeiros — diz Martinez. – Em primeiro, estão os Estados Unidos, seguidos da China, algum país europeu, como Alemanha ou Itália, depois Coréia do Sul e Brasil. Pode-se imaginar que se as fronteiras internacionais permanecerem cerradas e não tivermos turistas americanos, chineses, brasileiros ou coreanos, perderemos cerca de 75% de nosso público.

Investimento no público local

Em contato com seus colegas, conta que o Museu do Vaticano e o Palácio de Versalhes reabriram com menos de 10% da frequência pré-pandemia. Para o Louvre, a expectativa é de atrair no máximo 30% do número de visitantes diários.

— Hoje, 80% dos franceses declaram sentir alguma inquietude em frequentar espaços culturais. Acredito que de julho a setembro alcançaremos de 4 mil a 5 mil visitantes por dia. Se chegarmos a 10 mil, ficarei surpreso.

Nos atentados de 11 de setembro de 2001, nos EUA, o Louvre perdeu cerca de 40% do público e precisou de três anos para retomar os patamares habituais de frequentação. Nos ataques terroristas de 2015 e 2016 na França, a recuperação foi mais rápida, a curva passou a subir após um ano.

— Quando tempo isso vai durar agora? Não sei, não sou profeta. Mas, hoje, penso que atravessaremos três anos de menor visitação – estima Martinez.

Segundo ele, a crise talvez seja “um momento favorável” para o visitante francês, “o primeiro público do Louvre”, com mais de 2,5 milhões de entradas anuais, redescobrir o museu. Da pandemia, tirou algumas lições. O futuro é a “mediação humana” e iniciativas que estimulem a proximidade do público com as obras, vaticina.

— Por que 60% dos franceses não vão ao museu? Porque dizem que não foram feitos para eles, não conseguem compreender o que veem. É preciso desdramatizar as coleções. Quando se está ao pé da escada que leva à Vitória de Samotrácia, o visitante se sente intimidado. Temos de quebrar isso. Decidimos oferecer minidescobertas gratuitas do museu em horários regulares: não será preciso se inscrever nem pagar.

Fim das grandes retrospectivas

Louvre Foto: Fernando Eichenberg / Agência O Globo
Louvre Foto: Fernando Eichenberg / Agência O Globo

O presidente define as exposições como “a língua natural dos museus”, em um momento “privilegiado e necessário” de encontro com o público, mas acredita que haverá interrogações em torno de sua organização.

— Há questões de ecologia. A circulação das obras de arte é cada vez mais complexa e custosa. Os preços dos cargueiros transatlânticos vão explodir após essa crise. A economia das exposições será questionada, isso é uma evidência. E, hoje, uma mostra com uma dezena de obras, bem feita, funciona. Penso que as grandes exposições retrospectivas serão coisa do passado. Não conseguiremos mais reunir toda a obra de um artista.

O site do museu, cujo acesso multiplicou por dez durante o confinamento – de 40 mil visitas diárias para um pico de até 400 mil – será renovado para 2021 e o conjunto das coleções do Louvre colocado online.

— O vídeo que fizemos da Sala Caryathides teve 1,6 milhão de visualizações, fiquei surpreso. Que conclusões tirar disso? É um espaço para o público do mundo. Foi uma das lições que essa crise acelerou. Sensibilidade digital e física andam junto — avalia Martinez.

Jogos Olímpicos de 2024

Seus cálculos apontam uma perda financeira em torno de € 40 milhões no período de fechamento. O Louvre prosseguirá as discussões com o Ministério da Cultura visando uma maior subvenção para as mudanças previstas para os Jogos Olímpicos de 2024, em Paris, com a abertura de um maior número de salas e horários estendidos. Martinez, no entanto, refuta uma política cultural sustentada na  “corrida atrás do dinheiro” cada vez mais público:

— O Estado é nosso maior mecenas, com uma subvenção anual superior a € 90 milhões. Economicamente, os museus não são viáveis. Não são rentáveis. Museu é um investimento cultural, educativo. Não ganhamos dinheiro, investimos. O museu é uma aposta. Se buscasse dinheiro, só faria exposições como a de Leonardo da Vinci — justifica.

Sem aglomeração na sala da Gioconda

Louvre Foto: Fernando Eichenberg / Agência O Globo
Louvre Foto: Fernando Eichenberg / Agência O Globo

A reabertura do Louvre obedecerá às diretivas sanitárias face à pandemia: distribuição de álcool gel na entrada, uso obrigatório de máscara para maiores de 11 anos e respeito ao distanciamento durante a visitação. As reservas online serão prioridade, mas os desprevenidos poderão tentar a sorte na hora, se a lotação permitir. As salas menores estarão bloqueadas para evitar aglomerações, e o espaçamento no local em que reina a Gioconda foi adaptado às normas de combate ao contágio do coronavírus. Cerca de 70% do espaço do museu estará acessível.

— Serão 45 mil metros quadrados disponíveis, em espaços em que o distanciamento físico é possível — diz Leïla Cherif-Hadria, da Direção de Recepção ao Público e da Vigilância do museu. — A visitação terá um sentido indicado de circulação, com entradas e saídas únicas nos ambientes. Mas se houver poucos visitantes, não vamos impedir as pessoas de circularem como preferirem. A ideia é ajustar nossos dispositivos em função das medidas sanitárias e da afluência do público.

Em outubro, o Louvre inaugurará duas exposições: “O corpo e a alma, de Donatello a Michelangelo – esculturas da Renascença italiana” e “Albrecht Altdorfer, mestre do Renascimento alemão”. Já o ano de 2021 será dedicado à arqueologia, com mostras em torno da arte grega e do reino africano de Napata (Sudão).