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Cultura

'A pandemia mostrou que precisamos das livrarias', diz presidente do sindicato dos editores

A frente do SNEL desde 2014, Marcos da Veiga Pereira, sócio do da Sextante, enfrentou, em sua gestão, quebra da Saraiva e da Cultura e ameaça de tributo a publicações
Marcos da Veiga Pereira, sócio da Sextante e presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros: 'O varejo on-line salvou a indústria do livro e isso não foi fácil' Foto: Reprodução / Divulgação
Marcos da Veiga Pereira, sócio da Sextante e presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros: 'O varejo on-line salvou a indústria do livro e isso não foi fácil' Foto: Reprodução / Divulgação

SÃO PAULO — "A culpa não é minha", avisa Marcos da Veiga Pereira, aos risos, depois de ouvir o repórter listar todas as desgraças que abateram o setor editorial brasileiro desde 2014, quando ele assumiu a presidência do Sindicado Nacional dos Editores de Livros (SNEL): recessão que derrubou as vendas , derrocada da Saraiva e da Cultura , livrarias em quarentena , governo ameaçando tributar o livro ...

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Sócio da Sextante, neto de José Olympio Pereira Filho — o editor que convenceu Graciliano Ramos a deixar de lado o título "O mundo coberto de penas" em favor de "Vidas secas" — e filho de Geraldo Jordão Pereira, fundador da Salamandra, Marcos brinca que é o dinossauro "mais novinho" do mercado editorial brasileiro (ele tem 57 anos). O segundo mandato dele à frente do SNEL terminaria este mês, mas foi estendido em um ano por conta da pandemia. Em entrevista ao GLOBO, por Zoom, Pereira falou sobre o crescimento do varejo on-line (leia-se Amazon) e que editores e livreiros só vão voltar a dormir tranquilos em março, quando o Congresso decidir sobre a tributação ou não do livro.

Durante a sua gestão, a indústria do livro passou por graves crises : duas redes de livrarias entraram em recuperação judicial e, quando o mercado começou a se recuperar, veio a pandemia e o governo ameaçou taxar o setor. Qual dessas desgraças foi a mais difícil de lidar?

A crise das duas maiores redes de livrarias. A pandemia deixou ainda mais claro que precisamos das livrarias não só como pontos de venda, mas também para apresentar as novidades. Perdemos nossas maiores vitrines. Essas duas redes causaram um prejuízo enorme para a cadeia do livro, que era de R$ 360 milhões em 2018 e só aumentou. A reconstrução dessas redes está começando só agora, na pandemia, que obrigou a Saraiva a fechar mais lojas. Levamos um cano dessas duas redes porque acreditávamos nelas, quando qualquer trainee de banco que olhasse o balanço delas diria para não vendermos mais porque não tinham crédito.

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A pandemia tornou as editoras mais dependentes do varejo on-line, especialmente da Amazon, que já representa mais de 50% dos negócios de várias editoras. Não é arriscado botar tantos ovos nessa mesma cesta?
O varejo on-line salvou a indústria do livro e isso não foi fácil. Minha estimativa é que, hoje, ele represente 60% do mercado. Sem dúvida, há um desequilíbrio, o ideal seria que as livrarias físicas representassem 60% do mercado, até porque o on-line é muito concentrado, nunca vai comportar muitos players.

Descontada a inflação, o preço do livro caiu 34% entre 2006 e 2019. Ainda assim, não anda nada barato. O preço vai subir?

Não vamos conseguir recompor o preço do livro. Quando lançado, em 2004, "O código Da Vinci" custava R$ 39,90. Se tivéssemos acompanhado a inflação, hoje custaria R$ 95 e não ia vender . Houve tentativas de recomposição do preço, mas vai ficar a diferença dos anos da recessão e da inflação alta.

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Uma das marcas da sua gestão são as pesquisas em parceria com a Nielsen BookScan e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, e os "Retratos da Leitura", do Instituto Pró-Livro, que você presidiu. Qual o próximo passo?

Quando perguntavam para o meu pai como ele sabia que um livro ia ser bem-sucedido, ele dizia: "Vou te mostrar onde guardo minha bola de cristal". Não é exatamente assim. A gente tem muita informação para ver quais são as tendências. Para mim, número é uma coisa preciosa. Na editora, todo o meu time tem acesso às informações e a obrigação de analisá-las. A pesquisa "Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro" ainda não divide a venda de livros por categorias, uma informação que ajudaria a pauta das decisões empresariais. Dizem que a ficção está sofrendo à beça, mas isso é informação ou achismo?

A reforma tributária em tramitação no Congresso acenou com a taxação do livro. O mercado reagiu, e o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) propôs uma emenda para garantir a isenção do setor. Em que pé está essa batalha?

A proposta apresentada pelo Ministério da Economia foi um grande susto. A articulação das principais entidades produziu um manifesto que foi abraçado pela sociedade por meio do abaixo-assinado #defendaolivro, com mais de 1 milhão de assinaturas em menos de um mês. Junto com as três proponentes, estudantes de 19 e 21 anos, entregamos o abaixo-assinado ao senador Major Olímpio (PSL-SP) em um evento emocionante. Ele deu grande divulgação no plenário e declarou seu apoio à não tributação dos livros. Estamos confiantes de que nossa causa ganhou muita visibilidade, mas só poderemos nos tranquilizar quando o texto definitivo da Reforma Tributária for apresentado, em março.