Cultura Carnaval 2020

Quer saber se vai ter cortejo? Não pergunte ao Thales Browne

Criador do bloco Charanga Talismã, saxofonista formado na rua e no metrô prega diversão consciente em desfiles 'surpresa' que reúnem legiões de foliões
O saxofonista Thales Browne toca deitado com outros foliões e músicos durante cortejo na Glória Foto: Lucas Bori
O saxofonista Thales Browne toca deitado com outros foliões e músicos durante cortejo na Glória Foto: Lucas Bori

RIO - Se Thales Browne ganhasse R$ 10 toda vez que alguém lhe pergunta "vai ter cortejo?", o saxofonista de 31 anos teria mais dinheiro agora do que na época em que faturava alto vendendo sacolé no carnaval. E não precisaria mais se arriscar tocando nos vagões do metrô (até hoje, sua voz é rouca porque ele levou uma gravata de um segurança do transporte subterrâneo em 2015). Em meio ao surto de ansiedade que toma conta dos foliões no início de cada ano, este ativista da grande festa carioca, criador do bloco Charanga Talismã, ganhou reputação por organizar e liderar desfiles divulgados da noite para o dia. Nesta sexta-feira de pré-carnaval, há uma legião de foliões querendo saber o que o Thales está armando para o fim de semana.

O mapa da mina são seus Stories no Instagram. Sábado passado, Thales fez uma publicação dando pistas simples de que, no domingo, estaria na Rua do Mercado começando mais um cortejo surpresa. Naquela manhã, antes do primeiro acorde, formou-se uma roda de músicos e foliões, que fizeram silêncio em respeito ao Dia de Iemanjá. Thales falou sobre a importância dos blocos "não oficiais" para o carnaval de rua e sobre a necessidade do cuidado com o outro e com o espaço público. Pode brincar à vontade, mas o respeito à cidade e a seus moradores é sagrado. Em seguida, o cortejo começou um tour pela Zona Portuária, passando pelo Boulevard Olímpico e a Praça Mauá, terminado só no final do dia, quando entregou os sobreviventes na porta da HUB, onde haveria ensaio do bloco Agytoê.

Thales não é líder de megabloco. Não é Anitta, nem Ludmila. Mas é figura conhecida do carnaval de rua pequenino e espontâneo. Que não avisa a prefeitura, mas também não gera grande impacto na cidade. O impacto, pra falar a verdade, é mais emocional. Como, por exemplo, quando uma banda toca "Carinhoso", do Pixinguinha, na janela da senhorinha em Santa Teresa. Ou quando explode com "Qualquer coisa", do Caetano, debaixo de uma passarela. Desde 18 de janeiro, o safofonista e seus companheiros inventaram um cortejo por fim de semana, sempre com um nome diferente, usando o Instagram e o Whatsapp para criar um suspense e, pouco antes de começar, anunciar a hora e o local.

- Se divulgar com muita antecedência, fica gigante. Queremos ocupar a rua com arte e alegria, brincar sem confusão. Claro que, agindo assim, a gente atinge basicamente a nossa rede de amigos. Mas durante o desfile pode chegar quem quiser, e o trajeto no Centro ou na Zona Portuária promove essa mistura - pondera o músico, que também toca em blocos "oficiais', maiores e mais conhecidos, como Amigos da Onça, Virtual e Cordão do Boitatá. - Tocar no Boitatá é uma honra. Vou a todos os ensaios.

O músico durante o cortejo do Sem Pretensão, bloco improvisado na terça-feira do carnaval de 2019 Foto: Lucas Martinelli/@carnalogico_
O músico durante o cortejo do Sem Pretensão, bloco improvisado na terça-feira do carnaval de 2019 Foto: Lucas Martinelli/@carnalogico_

Do sacolé para o saxofone

Browne ganhou quilometragem na folia vendendo sacolé nos blocos. Seu produto era uma mistura mágica que aprendeu com o avô, em Natal, de suco de manga, maracujá e gengibre com vodca ou cachaça. Ele e dois sócios chegaram a ganhar R$ 18 mil depois de ralar durante 30 dias. A esta altura, o então aluno de Geografia da UFRJ já decifrava o instrumento que se tornaria ferramenta de trabalho. Em 2013, comprou um saxofone de bambu (R$ 200 em três parcelas) e colou em músicos experientes da folia, como Tarcísio Cisão e Gabriel Gabriel, do Amigos da Onça. Não demorou muito para deixar a faculdade e submergir no Coletivo Artistas Metroviários (AME). Hoje, ele toca na Banda Jussara e no Trio Rapina, ambos formados por músicos criados na rua.

Passando chapéu no subterrâneo carioca, Thales ganhou algum dinheiro e muito repertório. Comprou um sax tenor e criou a rotina de fazer música nos vagões. Mas, em 5 novembro de 2015, numa época em que artistas estavam levando dura por trabalhar no metrô, o saxofonistas e outros três integrantes do AME foram cercados com truculência por seguranças à serviço do sistema de transporte. O vídeo feito por um deles, que mostra boa parte da abordagem, viralizou nas redes sociais . Segundo Thales, ele foi estrangulado por um segurança e ficou permanentemente rouco. De acordo com o Metrô Rio, "o processo referente ao caso citado já foi encerrado e, na época, todos os esclarecimentos foram prestados às autoridades".

- Depois desse episódio, continuei tocando no metrô, mas comecei a fazer arte com medo, e não é a mesma coisa. Só continuo porque preciso.

Em 2020, o bloco Charanga Talismã chega a seu terceiro carnaval. A banda desfila na Vila Kosmos, na Zona Norte, desde que começou. Thales decidiu sair da Região Central do Rio para fugir das multidões, que muitas vezes não demonstram compromisso com este ou aquele cortejo. Para ele, carnaval não é apenas curtição. Já no primeiro ano do Charanga, o músico percebeu um outro sentido de levar a folia até a periferia quando um senhor falou para ele: "Garoto, isso é carnaval de verdade". Desde então, ele entendeu que a integração com a comunidade tinha que fazer parte da identidade do bloco.  Durante a festa "talismânica", os organizadores enfatizam a importância de se respeitar o espaço e, principalmente, os moradores. Nada de xixi na rua!

- Ano passado, reunimos 1200 pessoas, mas no final do bloco não tinha lixo espalhado. Catamos tudo o que não tinha sido jogado na lixeira.

Thales Browne no coreto da Praça da Harmonia, Foto: Lucas Martinelli/@carnalogico_
Thales Browne no coreto da Praça da Harmonia, Foto: Lucas Martinelli/@carnalogico_