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Cultura

Ronaldo Lemos: 'O futuro depende de como vamos lidar com a desigualdade'

Gravado no isolamento, programa do Canal Futura insiste na necessidadade de democratizar o acesso à tecnologia e repactuar a rede de proteção social
Ronaldo Lemos, apresentador da série "Expresso Futuro", em São Bento do Sapucaí (SP), onde foi gravada a quarta temporada Foto: Divulgação
Ronaldo Lemos, apresentador da série "Expresso Futuro", em São Bento do Sapucaí (SP), onde foi gravada a quarta temporada Foto: Divulgação

SÃO PAULO — Depois de duas temporadas rodadas em Nova York e uma na China, a Covid-19 frustrou os planos de Ronaldo Lemos para os novos episódios da série “Expresso Futuro”: filmar a revolução tecnológica indiana. A solução foi se refugiar em São Bento do Sapucaí, na Serra da Mantiqueira, e, com o auxílio da internet e de uma produtora nova-iorquina, especular como será o mundo pós-pandemia.

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A quarta temporada de “Expresso Futuro” estreia amanhã, às 21h, no Canal Futura. Em oito episódios, Lemos, que é advogado e diretor do Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), conversa sobre o futuro do trabalho, da educação e da vida nas cidades com “algumas das imaginações mais poderosas do planeta” (palavras dele), como o economista americano Jeffrey Sachs e o escritor de ficção científica chinês Liu Cixin .

Um tema perpassa quase todos os episódios: a desigualdade. A série reforça a urgência de se repensar alguns pactos sociais para fomentar a inovação e apresenta iniciativas como Mães da Favela, um programa de distribuição de cestas básicas e de transferência de renda, implementado pela Central Única das Favelas (Cufa), que botou a tecnologia a serviço da solidariedade na pandemia.

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— Uma fala do Celso Athayde [criador da Cufa] ficou na minha cabeça: “Ninguém vai morrer de fome se as prateleiras dos supermercados estão cheias. O que está em jogo é a sobrevivência”. A pandemia mostrou que só há prosperidade quando a maioria prospera — diz Lemos. — O futuro depende de como vamos lidar com a desigualdade.

A tarefa não é fácil. No primeiro episódio, Lemos lembra que, no Brasil, um em cada três adultos não tem conta bancária, o que dificulta a transferência de renda emergencial. A antropóloga americana Mary Gray ressalta a necessidade de repactuar a rede de proteção social, formulada, no passado para acudir operários, e que, hoje, não alcança quem vive de trabalhos precários, como os entregadores de aplicativo. Outros entrevistados, como a economista Laura Carvalho , sublinharam a importância da implementação de uma renda básica de cidadania.

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— A renda básica de cidadania gera inovação — afirma Lemos. — Empreender é correr o risco de errar, mas quem vive na beira da miséria não pode errar. É por isso que, hoje, só uma minoria pode inovar. Se o Brasil não democratizar a conectividade, a recuperação econômica pode beneficiar só os ricos.

Explorar o 'além'

Lemos se surpreendeu ao perceber que a pandemia acelerou a popularização, no Brasil, de tecnologias antecipadas pela última temporada de “Expresso Futuro”, gravada na China, como as lives, que já faziam sucesso por lá. Ao percorrer cidades chinesas, registrou os trens-balas, a tecnologia 5G e a substituição do dinheiro de papel por códigos QR:

— Imaginava que a economia sem toque e até as lives demorariam mais uns cinco anos para chegar ao Brasil, mas a pandemia estimulou a transformação digital. Apesar disso, temo que estejamos ainda mais distantes do trem bala ou das redes 5G, porque temos problemas urgentes para resolver.

Lemos ainda quer gravar a temporada na Índia. Se não rolar, ele brinca que quer explorar “o além”:

— O futuro não chega, ele é construído. Queremos apresentar ferramentas que nos tornem capazes de construir um futuro positivo.