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Cultura

Rubem Fonseca se fez gigante por seus livros, não pelo marketing

Mania de reclusão do escritor, avesso aos holofotes, gerou histórias engraçadas com fãs pelas ruas
O escritor Rubem Fonseca em caminhada matinal no Leblon. Foto: Michel Filho / Agência O Globo
O escritor Rubem Fonseca em caminhada matinal no Leblon. Foto: Michel Filho / Agência O Globo

José Rubem Fonseca foi um dos poucos escritores brasileiros que sempre preferiu ficar longe dos holofotes e das entrevistas. Fez-se gigante por seus livros, não por seu marketing. Não fugia das câmeras por timidez ou falta de vaidade. Pelo contrário, era bastante consciente do seu papel na literatura, tinha orgulho da sua obra – e nem poderia ser diferente. Mas evitava aparecer muito porque, dizem os mais chegados, não era lá muito paciente com a mediocridade humana. E estar no centro das atenções implicava lidar com miudezas que o irritavam: pedidos de autógrafos e selfies, por exemplo.  Dá para entender.

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A cultura de Rubem Fonseca era gigantesca, sempre surpreendendo seus interlocutores. Cinema e música eram assuntos frequentes, além, claro, de literatura. Era imbatível quando falava de autores de todos os lados do mundo. Outro grande escritor, João Antônio (1937-1996), certa vez comentou, bem ao seu estilo, sobre suas conversas com o autor de “Feliz ano novo”:

- O Zé Rubem me deixa desconcertado. Vá saber de literatura assim lá na caixa-prego.

Na medida do possível, não se negava a receber jovens escritores, que costumavam procurá-lo em busca de histórias e conselhos. Essa generosidade incomum o fez descobrir talentos, como Ana Miranda e Patrícia Melo, entre outros.

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Mas interessante mesmo era sua mania de reclusão. Ficou famoso o episódio em que, testemunhando in loco o momento histórico da queda do Muro de Berlim (1989), um repórter brasileiro o entrevistou para a TV, sem saber de quem se tratava. Em vez de tirar onda, identificou-se apenas como “José Rubem”, não mais que isso.

E também era curioso vê-lo fugir de quem o reconhecia nas ruas. Não que fosse grosseiro. Simplesmente desconversava e se esquivava, provocando ainda mais a insistência (ou chatice) dos fãs, que não eram poucos. Eu, por exemplo. Sem qualquer propósito que não fosse tirá-lo do anonimato suposto, interpelei-o uma vez no Leblon. Foi algo do tipo:

- Oi, boa tarde, desculpe... O senhor é o Rubem Fonseca?

Por trás dos óculos escuros e meio escondido pelo boné costumeiro, elegante na sua magreza, nos jeans bem ajeitados e no andar sem pressa, ele negou, sem interromper a caminhada. Muitos meses depois, na falta do que fazer, fiz a mesma abordagem. Ele me respondeu, novamente sem parar:

- Já é a segunda vez que você me pergunta isso. Vive me confundindo.

Sorri, pedi desculpas, ele seguiu adiante levando a tiracolo a sacola vermelha de uma livraria. Ainda o vi sendo cumprimentado por duas senhoras. Foi gentil, mas não deu muita trela, atravessou a rua. E elas comentaram, entre si, que era o maior escritor do Brasil.