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Cultura

Sempre tremendamente romântico

Erasmo Carlos manteve-se um grande roqueiro por esses quase 60 anos de carreira, mas sem perder a ternura
Erasmo Carlos Foto: Guto Costa / Divulgação
Erasmo Carlos Foto: Guto Costa / Divulgação

Se os brutos também amam, os tremendões, mais ainda. É o caso de Erasmo Carlos, 80 anos no sábado. No início da carreira ele compôs rocks em que se dizia o homem mau, o terror dos namorados e outras valentias (“vem quente que eu estou fervendo”), transgressoras para o início dos anos 1960. Todas casavam bem com seu physique du rôle de peso-pesado, quase dois metros de altura e, glória das glórias para um roqueiro, uma certa cara de bandido. O apelido Tremendão caiu-lhe bem — mas Erasmo é mais. Ele é dos grandes compositores românticos da música brasileira.

Em sua parceria de quase 500 músicas com Roberto Carlos, ele vem construindo uma coleção de canções que, como as de Dolores ou Vinicius, atualizam desde seu primeiro disco, em 1964, as maneiras de a MPB dizer o eterno “eu te amo”. São baladas como “Amada amante”, “Cavalgada”, “Do fundo do meu coração”, “Detalhes” e outras tantas assinadas com Roberto, todas já integradas à discografia dos clássicos nacionais.

A dupla conseguiu uma identidade musical rara, a capacidade de fazer canções no equilíbrio certo entre o sentimental e o bom gosto. Tem amor, tem sofrimento, mas nunca tem breguice. São sofisticadamente populares. Erasmo, formado em Little Richard, encontrou Roberto, da universidade Tito Madi. Deu química. Inventaram um repertório romântico original em que cada brasileiro reconhece ao fundo as suas próprias histórias de amor. Algumas são canções de motel, carnais, roupas pelo chão. Outras tocam na igreja enquanto os noivos sobem ao altar.

Erasmo deixou aos poucos o vulgo de “Tremendão” e passou a ser reconhecido como o “Gigante Gentil”. Cresceu também como homem apaixonado. A “Gatinha manhosa” do início foi trocada por gatas poderosas. É o cantor de um dos discos mais escandalosamente românticos da música brasileira, “Mulher”, aquele em que aparece na capa sendo amamentado pela esposa, Narinha. Em “Coqueiro verde”, assinada em dupla com Roberto, mas que é só dele, Erasmo também cita a mulher. Foi sempre tremendamente romântico.

Por mais roupão de couro que tenha usado, por mais cara de mau que tenha acoplado ao seu comportamento, o maior sucesso de Erasmo é a introspectiva “Sentado à beira do caminho”, uma linda balada sobre solidão, abandono e medo do futuro. Manteve-se um grande roqueiro por todos esses quase 60 anos de carreira, mas sem perder a ternura. Afinal, no peito de um tremendão também bate um coração.