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Cultura

Sia: ‘Sou boa em canções, mas tive momentos muito difíceis com minha saúde mental’

Cantora e compositora australiana, dos hits ‘Chandelier’ e ‘The greatest’, estreia como diretora e roteirista em longa-metragem musical sobre adolescente autista
A cantora Sia, que está lançando seu primeiro filme, 'Music' Foto: Divulgação
A cantora Sia, que está lançando seu primeiro filme, 'Music' Foto: Divulgação

RIO - Na última década, a cantora e compositora australiana Sia se tornou sinônimo de avant-garde da música pop. Seja em canções próprias, como os hits “Chandelier” e “The greatest”, ou em sucessos que compõe para outros, de Rihanna e Beyoncé a fenômenos do K-pop ( BTS ) e reggaeton (Ozuna), a compositora ficou conhecida pela combinação ideal entre sofisticação e sucesso comercial.

Ao mesmo tempo, Sia, de 45 anos, conseguiu com certo sucesso manter sua figura pública separada da artística, algo que parecia impensável para estrelas pop com seu alcance. Para isso, em suas raras aparições públicas ela usa perucas gigantes. Mesmo em shows ou em clipes, ela transferiu o protagonismo para a bailarina e atriz Maddie Ziegler, de 18 anos, que estrela vídeos e turnês de Sia desde os 6. Por isso, chega a ser irônico que sua estreia como diretora e roteirista de um longa-metragem, com “Music”, esteja cercada por uma polêmica criada por ela, pessoa física.

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O filme vem sendo elogiado pela crítica, ao ponto de ganhar duas indicações ao Globo de Ouro (melhor filme de comédia ou musical e melhor atriz para Kate Hudson). Mas Sia acabou comprando briga pública com organizações de defesa de pessoas autistas, exatamente o grupo que ela queria homenagear em “Music”.

O filme conta a história de Zu (Kate Hudson), uma traficante recém-saída da clínica de reabilitação que se vê obrigada, após a morte da avó, a tomar conta de Music, sua irmã caçula, uma adolescente com autismo severo. Sia escalou sua fiel parceira, Maddie Ziegler, para o papel principal e, questionada nas redes por uma atriz autista sobre o motivo de não ter escolhido alguém com o transtorno, que “talvez ela não fosse boa o suficiente”.

As atrizes Kate Hudson e Maddie Ziegler em 'Music', filme dirigido por Sia Foto: Divulgação
As atrizes Kate Hudson e Maddie Ziegler em 'Music', filme dirigido por Sia Foto: Divulgação

— Tem sido um momento de muito aprendizado para mim, desde que fui chamada de capacitista — admite Sia, que aceitou falar sobre o assunto na entrevista, mesmo com pedidos da equipe para que a conversa fosse centrada na trilha original do filme. — Mas foi horrível, e por minha culpa. Eu tenho esse senso de humor peculiar e descumpri minha regra de não usar redes sociais na madrugada. Hoje, eu teria conversado com cada pessoa no espectro do autismo sobre seus sentimentos, sobre como querem ser representados, como gostam de ser chamados. Mas tenho orgulho do trabalho que fizemos.

Shia LaBeouf substituído

Foram anos de pesquisa tanto de Sia quanto de Maddie para chegar a “Music”, anunciado oficialmente em 2015, no Festival de Veneza. Originalmente, não seria um musical, mas a cantora foi convencida por amigos e pela indústria: ao optar trocar o drama pelo musical, o orçamento do filme quadruplicou para US$ 16 milhões. Outra mudança importante foi na escolha do intérprete de Zu, que mudou de gênero. A personagem seria vivida por Shia LaBeouf , a quem Sia acusa de agressão e assédio após o breve relacionamento que viveram. Kate Hudson acabou sendo a escolha ideal, como prova a indicação ao Globo de Ouro.

As multicoloridas cenas musicais ilustram a maneira como Music, que não consegue se comunicar através da fala, vê o mundo. E as canções, compostas por Sia ao lado de nomes badalados como David Guetta , Jack Antonoff , Dua Lipa e Greg Kurstin, viraram o álbum “Music — Songs from and inspired by the motion picture”, que chega às plataformas de streaming na sexta-feira — o filme ainda não tem previsão de estreia no Brasil. É o nono disco de estúdio de Sia, e o primeiro de inéditas desde “This is acting” (2016). Mas ela não gosta de resumi-lo como uma “trilha sonora”:

— Eu queria ter certeza de que, ao terminar de filmar, poderia mudar qualquer letra, sem me preocupar em parecer incongruente. E foi o que fiz: com o filme editado, voltei ao estúdio e alterei cerca de 30% das músicas para o álbum.

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Mas é claro que “Music”, o filme e o disco, tem um diálogo direto. Por exemplo, pela aptidão e inspiração de Sia para criar músicas pop empolgantes e otimistas com versos extremamente emotivos e sensíveis. Isso foi traduzido na tela, já que o longa-metragem trata de temas delicados — violência doméstica, vícios, transtornos mentais... — com cenas repletas de cores, figurinos extravagantes e momentos alegres.

— Eu sou boa em compor canções, mas tive momentos muito difíceis com minha saúde mental — lembra Sia, que lidou com depressão e seu próprio vício em drogas. — É um dom e uma maldição. Então eu queria refletir isso em “Music”, que me fizesse rir e chorar como ( o filme francês ) “Intocáveis”. E as partes musicais precisavam suavizar o peso, para o público processar o que acabou de ver ou sentir.

“Queria que ‘Music’ me fizesse rir e chorar, como foi com ‘Intocáveis’. As partes musicais suavizam”

Sia
Cantora

Em uma dessas cenas que suavizam o impacto do filme, uma surpresa: a própria Sia, tão preocupada em não aparecer, surge em carne e osso, interagindo com Kate Hudson e se autointerpretando.

— Era para a Katy Perry fazer essa parte, mas ela cancelou em cima da hora por estar muito ocupada. Eu mandei o roteiro para a Beyoncé, ela tinha dois dias para responder, e nada... Eu pensava “merda, eu preciso de uma pop star”. Até que lembrei “ah, eu sou uma pop star!”. Aí fui lá e fiz, tentando parecer o mais idiota possível — explica, deixando claro que o tal senso de humor resistiu ao risco de cancelamento.