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Cultura

TV pós-Covid: como novelas e programas de auditório serão feitos daqui para frente

Enquanto gravações não são retomadas, especialistas analisam os principais desafios da indústria televisiva no Brasil
Regina Casé e Taís Araújo gravam cena de 'Amor de mãe': novelas terão muitos desafios pela frente Foto: Divulgação TV Globo
Regina Casé e Taís Araújo gravam cena de 'Amor de mãe': novelas terão muitos desafios pela frente Foto: Divulgação TV Globo

RIO — De frente para a televisão, o espectador brasileiro protagoniza uma história com final em aberto. Quando a pandemia passar, a mocinha poderá voltar a beijar o galã no horário nobre? Abraços calorosos e mesas de café da manhã com elenco extenso ao seu redor ainda estarão presentes nas tramas? Estes são alguns questionamentos diante do futuro da TV pós-Covid.

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Na Austrália, por exemplo, as gravações de uma novela chamada “Neighbours” (“Vizinhos”, em português) foram retomadas mês passado com distanciamento social entre os atores e jogo de câmeras criando ilusão de maior proximidade. Mas será que a teledramaturgia do Brasil vai conseguir se adequar à aparente frieza que os novos tempos pedem?

Para o colunista Artur Xexéo, não há novela sem romance, beijo ou abraço. Mas, ao mesmo tempo, ele acredita que haverá um descompasso entre ficção e realidade, caso cenas de afeto sejam exibidas e o distanciamento permaneça como regra.

— Acho até que seja possível criar um ambiente tão seguro no estúdio que permita o abraço e o beijo. Mas de quem os autores estarão falando? — indaga o jornalista e roteirista. — Para manter credibilidade, os personagens teriam que respeitar esse distanciamento também. Novelas teriam que ter um assunto único: a pandemia. Ou a televisão vai produzir exclusivamente tramas de época, passadas num tempo em que o mundo vivia o “velho normal”. É difícil resolver esta equação.

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Uma matemática criativa que cruza o caminho dos sets de gravação. Emissoras estão elaborando protocolos de segurança que incluem prerrogativas básicas, como menos profissionais dividindo estúdio de gravação e testes diários de detecção do novo coronavírus em membros das equipes. Uma profilaxia necessária, mas que pode afetar o ritmo da indústria televisiva.

Produtora de programas como o “220 volts”, do Multishow, e da série “Matches”, do Warner Channel, Iafa Britz acredita que a consolidação dessa nova política de convivência nos sets é a chave para a retomada de novos projetos.

— Vai haver um impacto no orçamento e na produtividade, com equipes mais enxutas e ritmo mais lento. Ainda é difícil prever se tais condições serão capazes de atender as demandas, ou se haverá uma queda inevitável no número de lançamentos — diz Iafa.

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A colunista de TV Patrícia Kogut atenta para um aspecto que passa ao largo de qualquer determinação protocolar sobre distanciamento em sets:

— Se não houver vacina, todos terão de se curvar aos fatos. A ficção vai ter que achar meios de driblar a impossibilidade dos beijos e abraços. Vão ter que achar recursos para adaptar tudo. Em 1918, os estúdios de cinema de Hollywood pararam por um ano depois da gripe espanhola. Depois, a vida voltou ao normal.

Para além da teledramaturgia, há outro nicho televisivo que está deitado num divã de incertezas: o dos programas de auditório, que dependem de plateia, portanto, de aglomeração. Aplicativos de videochamada vêm sendo tábua de salvação para entrevistadores, mas ainda não parece ser a solução definitiva.

Se o futuro é incerto, o presente traz mais força à TV. Segundo a Kantar IBOPE Media, em abril, houve aumento de 1h18m no tempo médio de consumo individual diário, em comparação com o mesmo mês de 2019. Para se ter uma ideia, entre os 50 dias de maior audiência de TV no Brasil dos últimos cinco anos, 38 deles foram na quarentena.

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Para valorizar este momento de alto consumo, os canais vêm buscando alternativas. Em abril, a Globo retornou com o matinal “Encontro com Fátima Bernardes”, depois de um mês fora do ar. Mas sem plateia, com equipe reduzida e participação de Ana Maria Braga, em inserções gravadas diretamente de casa. Segunda-feira passada, começou uma nova temporada do “Conversa com Bial”, com entrevistas realizadas por videoconferência e convidados como Glória Maria e Anitta.

Na TV a cabo também houve um movimento de reformatação. Mês passado, o Multishow apostou na estreia do “Vai passar!”, que reúne humoristas como Rodrigo Sant’Anna e Leandro Hassum em esquetes gravados remotamente. Em junho, o canal lança duas novas temporadas de atrações que já estavam prontas antes da quarentena, “Os Roni” e “Xilindró”.

No GNT, algumas das principais atrações vêm sendo exibidas remotamente, como o “Que quarentena é essa, Porchat?” e o “Além da conta #Confinados”, apresentados respectivamente por Fábio Porchat e Ingrid Guimarães, de suas casas. Já a Universal TV encerra, no próximo domingo (24), a segunda temporada de “Unidade básica” , série com Caco Ciocler e Ana Petta, que aborda os dramas do sistema público de saúde no Brasil e foi gravada antes da pandemia.

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Já no Globoplay, Marcelo Adnet vem fazendo sucesso com seu “Sinta-se em casa”, pílulas de dois minutos gravadas em seu lar, no Jardim Botânico. E em breve chega à plataforma “O Diário de um confinado”, projeto escrito por Bruno Mazzeo. A série, em produção, será gravada no apartamento do ator, com produção toda remota e participações especiais via vídeo.

— Restaurantes, teatros e cinemas fechados levaram as pessoas a procurarem entretenimento em casa. A TV aberta foi quase inteiramente ocupada pela cobertura jornalística da ação do vírus. O entretenimento à mão foi, e ainda é, o streamimg. Ele conquistou um público que não estava nas suas previsões de seis meses atrás — analisa Xexéo.

Acesso restrito

E por falar em streaming... Já existem registros de filmagens sendo reiniciadas em países da Europa. Segundo artigo do “New York Times”, uma série da Netflix chamada “Katla” voltou a ser gravada na capital da Islândia, Reikjavik, sob medidas sérias de segurança, com direito a pulseiras coloridas determinando áreas restritas de acesso a membros da equipe. “Provavelmente vou ficar mais conhecido pela Covid do que pela minha série. Triste isso”, disse o diretor Baltasar Komarkur ao jornal.

A Amazon, informa a “Variety”, deve retomar em julho as gravações da série “Voltaire, Mixte”, no Sul da França. Em março, a empresa pausou os trabalhos da nova adaptação de “O senhor dos anéis”, rodada na Nova Zelândia com orçamento de US$ 1 bilhão. No mesmo mês, a HBO suspendeu as filmagens da segunda temporada de “Euphoria”, após uma elogiada estreia.

Questionadas sobre previsões de retorno e planejamentos para o futuro, Netflix, Amazon e HBO preferiram não responder.