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Cultura Música

Xamã lança terceiro álbum com parcerias de peso e afirma: 'O rap é a nova MPB'

Novo álbum do rapper já foi ouvido 22 milhões de vezes e traz participações de Marília Mendonça, Glória Groove e Luísa Sonza
Com 4,3 milhões de seguidores no Instagram, Xamã comemora sucesso de 'Zodíaco', álbum sobre astrologia lançado em dezembro Foto: ROBERTO MOREYRA / Agência O Globo
Com 4,3 milhões de seguidores no Instagram, Xamã comemora sucesso de 'Zodíaco', álbum sobre astrologia lançado em dezembro Foto: ROBERTO MOREYRA / Agência O Globo

RIO — Quando lançou suas primeiras rimas nos vagões oscilantes que ligam Santa Cruz à Central do Brasil, Geizon Fernandes sequer sonhava em cantar com uma estrutura como a do Rock in Rio, ou em ter uma das carreiras mais sólidas da nova geração do rap . Na verdade, nem sonhava em cantar. Nos seus 20 e poucos anos, o rapaz versava sobre jujubas e amendoins, produtos que tentava vender com ginga especial para garantir o sustento da família. Hoje, aos 31, ele é mais conhecido como o rapper Xamã, campeão de seguidores no Instagram e autor de “Zodíaco”, álbum que, em menos de um mês , já foi ouvido mais de 22 milhões de vezes no Spotify.

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Produzido durante a quarentena (que também lhe rendeu o EP “Como sobreviver ao fim do mundo dançando”), o terceiro trabalho musical de Xamã, lançado pela Baguá Records, traz parcerias de peso. São nomes como Marília Mendonça — a rainha da sofrência, artista mais ouvida em 2020 no Brasil, no Spotify e no YouTube — , Luísa Sonza , Glória Groove e Agnes Nunes, em 12 faixas inspiradas nos signos astrológicos, além de um remix.

Nascido em Sepetiba, um dos bairros mais distantes do Centro do Rio, Xamã venceu seu primeiro concurso escolar de poesia aos 12 anos. Começou a trabalhar aos 15, como garçom, na pizzaria de um tio. Chegou a estudar Direito, com bolsa, mas abandonou o curso por não se identificar com a área. Foi vendedor de loja, entregador de lanches, panfleteiro e, finalmente, camelô — a profissão que lhe abriu as portas para o mundo do rap .

— Comecei a fazer rima para anunciar os produtos, e os colegas, vendo que eu era bom, me incentivaram a participar das batalhas que rolavam em Campo Grande e São Gonçalo — lembra. — Todo o mundo se conectava muito nessas rodas de rap. Era uma válvula de escape, depois daqueles dias pesados de trabalho, ir para a batalha e ouvir um som. Quando você vive num meio carente, a poesia te ajuda a ser mais entusiasta da vida.

O sucesso do primeiro disco, “Pecado capital” (2018), lhe rendeu uma apresentação no Espaço Favela do Rock in Rio 2019 . Ao fim daquele ano, lançaria seu segundo trabalho, “O iluminado”, inspirado em clássicos do cinema — outra grande paixão do artista, que carrega o rosto de Jack Nicholson tatuado no braço e está trabalhando em um projeto audiovisual a ser lançado em 2021, cujos detalhes ele não quer adiantar (“É cinema, mas não posso dizer nada”, ri).

Cinema e rock

Fã de Queen e Nirvana, Xamã, cujo nome artístico veio da semelhança com um personagem indígena de um jogo de videogame, não recusa as influências do rock e de outros estilos musicais em seu flow. E vai além.

— “Zodíaco” tem a identidade urbana do rap, mas o rap em si é a nova MPB. É o que toca hoje no rádio, na televisão. Aonde você for, você vai ouvir a galera ouvindo Poesia Acústica, Orochi, L7nnon. É uma música popular, com a qual as pessoas se identificam. Inclusive, esse é o meu objetivo ao escrever “Zodíaco”: estabelecer um diálogo com o ouvinte. Independentemente de quem você seja, você sabe o seu aniversário e seu signo. É uma coisa bem pessoal — diz o escorpiano, que recorreu à consultoria de uma astróloga para a elaboração do disco.

Bastante ativo nas redes sociais, o rapper acumula mais de 4,3 milhões de seguidores, à frente de outros nomes de destaque do gênero, como Emicida (2,3 milhões), Mano Brown (3,6 milhões) e Djonga (2,6 milhões). Com o sucesso, conseguiu se mudar para uma casa mais confortável em São Conrado, na Zona Sul, perto do estúdio onde chegou a passar “25 horas por dia”, como canta em “Aquário”, faixa do novo disco em que relembra as dificuldades enfrentadas ao longo da carreira.

Algumas coisas, entretanto, não mudaram com a troca de endereço e o reconhecimento profissional. Um dia, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas e atrasado para começar a gravar, decidiu ir correndo para o estúdio. Foi parado por policiais, algemado e acusado de ser assaltante.

— Foi a primeira vez que fui alvo de preconceito dessa forma. Até hoje, mesmo morando por aqui, tenho muito cuidado com onde eu corro. Sempre que for um candango de Sepetiba, vão parar a gente, não importa o que a gente seja. Temos que brigar, xingar, provar para eles da forma mais intelectual possível que não é assim que têm que nos tratar.

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Se, no início da carreira, felicidade era poder pagar uma conta de luz com o retorno de suas rimas, hoje Xamã sonha com mais trabalho. A esperada parceria com Anitta , que aconteceria na faixa “Áries” (inspirada nela), acabou sendo cancelada por falta de agenda. Também torce por um dueto com Pabllo Vittar , de quem já tentou chamar a atenção no Twitter.

A dedicação é elogiada por quem já está há muito mais tempo no ramo, como Zé Ricardo, diretor artístico do Espaço Favela do Rock in Rio:

— O Xamã, para mim, é um dos artistas mais talentosos da geração dele. Um cara versátil, inteligente, que sabe o que quer — aplaude Zé Ricardo.