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Cultura

'A gente sabe que vai morrer, mas fala pouco dessa certeza', diz Rosane Svartman

Enquanto finaliza versão cinematográfica do clássico infantil ‘Pluft — O fantasminha’, ela estreia nova novela das 7, que fala da morte: ‘Se refletirmos sobre como a vida é preciosa, podemos ter outros olhar para o cotidiano’
SC Rio de Janeiro 12/07/2018 - Coluna da Marina Caruso. Entrevista com a cineasta Rosane Svartman. Foto: Leo Martins / Agencia O Globo Foto: Leo Martins / Agência O Globo
SC Rio de Janeiro 12/07/2018 - Coluna da Marina Caruso. Entrevista com a cineasta Rosane Svartman. Foto: Leo Martins / Agencia O Globo Foto: Leo Martins / Agência O Globo

RIO — Cineasta, roteirista, autora de novelas e de livros, Rosane Svartman bebe em seu repertório pessoal para desenvolver as narrativas que oferece ao público. Começou a praticar muay thai, e a luta apareceu em “Malhação” , que ela escrevia. Fez curadoria do espaço jovem da Bienal do Livro (este ano, é supervisora da Arena #SemFiltro)) e incluiu o universo editorial em sua próxima novela das sete (com Paulo Halm), “Bom sucesso” .

Mas isso não significa que não abra espaço para outros mundos internos. Ela encorpa o discurso através das parcerias, que têm sido fundamentais em seus trabalhos — como em “Pluft: O fantasminha” , filme previsto para 2020, cheio de efeitos 3D, em que conta com Clélia Bessa (sua sócia na produtora Raccord), Cacá Mourthé(que vive Prima Bolha),  e Zé Lavigne  (o Tio Gerundio).

O longa é um bom exemplo do que se passa na cabeça da diretora, de 50 anos, que nasceu nos EUA e veio ainda criança para o Brasil. Muito dessa imaginação despontou nas aulas de criatividade do colégio Bahiense. Mas também foi incentivada pela mãe, judia, que fazia (e ainda faz) festas de Natal com temas e performances desenvolvidos por Rosane. Outra história que ilustra o bom humor da família foi quando os pais compraram uma cama de casal que não cabia no quarto e acabou ficando na sala mesmo.

— Diziam até que Santos Dumont dormiu nela — diverte-se Rosane.

Depois de iniciar a faculdade de Cinema na UFF, trancou o curso para rodar o mundo num mochilão por um ano e meio. Manteve os ouvidos abertos para as pessoas com quem cruzava - nascia aí um exercício de escuta fundamental para se tornar a contadora de histórias que é.

O hábito da leitura abriu ainda mais os seus horizontes e ela agora tenta contaminar os filhos, Daniel, de 12 anos, e Rosa, de 16 (“a mesada dela está condicionada a resumos de livros”, diz). Rosane concluiu, recentemente, um doutorado sobre transformação da TV pela interação com outras mídias — e por aí começa nosso papo.

No mundo hiperconectado, como levar o jovem à leitura?

Não dá para falar de livro e literatura sem falar sobre outras mídias, de como narrativas e autores se multiplicam, do youtuber que agora escreve. Podemos estar em todos esses espaços.

O tema da Bienal é “incentivar o hábito da leitura para mudar o país”. Como isso acontece?

Livro, cinema, teatro ou TV mostram pontos de vista. A gente buscou temas que nos ajudassem a pensar esse momento, como fé, orientação sexual, empreendedorismo, drogas, padrão de beleza, identidade, cultura, autoempoderamento, games, quadrinhos...

Você teve boa audiência em “Malhação”, na novela “Totalmente demais”... Existe uma fórmula?

Ajuda no diálogo trabalhar com temas relevantes para a sociedade [em “Totalmente demais”, ela abordou pedofilia, violência urbana, orientação sexual] . Em novela, é importante não apenas entregar, mas propor a conversa com a sociedade, trazer diferentes pontos de vista.

Em “Bom sucesso”, novela que estreia em 29 de junho, você vai falar sobre o quê?

Dos valores do brasileiro. Li um livro da Ana Claudia Quintana Arantes, “A morte é um dia que vale a pena viver”. Diz que a gente sabe que vai morrer, mas fala pouco dessa certeza e muito de incertezas do tipo “será que vou achar o amor da minha vida?”. Quando a gente fala que morte é certeza, valorizamos a vida. Temos um doente terminal ( Antonio Fagundes ), e é uma oportunidade de falar sobre como é importante viver. A partir da questão, abrem-se os olhos de outros personagens sobre estar com a família, dar um abraço em quem você gosta, ir atrás do seu sonho. Se refletirmos sobre como a vida é preciosa, podemos ter outros olhar para o cotidiano.

Você parte do seu universo para construir os trabalhos. Como é esse processo?

A gente escreve a partir do nosso repertório, os livros que lemos, os filmes... Quando li uma pesquisa do IBGE sobre o crescimento do número de mulheres chefes de família, quis falar delas ( através da personagem de Grazi Massafera, uma costureira ). Ser autor é ouvir, estar atento, aberto, tem que sair na rua, conversar. Busco parceiros talentosos que tragam diversidade. Essa é chave das parcerias, construir narrativas propondo o diálogo.

E dirigir? Como é lidar com ego de ator?

Aprendi sobre direção de atores dirigindo teatro, a adaptação do “Eu te amo”, de Arnaldo Jabor, junto com o Lírio Ferreira. O teatro é o reino do ator. A gente ouvia as ideias, testava possibilidades, experimentava. Ouvir o outro não é sinônimo de insegurança, e sim parte da experiência. No caso do diretor, ele ouve mas depois é assertivo em explicar o que a cena pede. Eu tento escolher atores talentosos, que são também pessoas com quem vai ser bom conviver. Vi aquele filme “Meu melhor inimigo”, do Herzog ( sobre a tumultuada relação do cineasta Werner Herzog e o ator Klaus Kinsk i) e traumatizei ( risos ).

Seu filme “Como ser solteiro”, de 1998, completou 21 anos. Que reflexão faz? Ser solteiro naquela época e é diferente de hoje, né?

É interessante ver o que ficou datado, o que faria diferente, como a sociedade se transformou. O personagem principal atende um orelhão no meio da praia! É retrato de uma época e apontava para mudanças, como a questão da polarização. Havia o olhar feminista, o machista, a valorização do amor romântico, que ainda existe. Hoje, teria que falar de Tinder, Zap...

O longa mostra o Rio um tanto hedonista. Você é supercarioca, vai à praia, ao bar, às festas, vive a cidade. Como anda a sua relação com o Rio?

Sinto um certo bode, mas passo pela praia e aí... O Rio são muitas camadas. Vejo a praia lotada e penso: “O que essas pessoas fazem que não estou fazendo?” O momento é de crise, mas não vivemos nela o tempo todo. Encontramos amigos, sorrimos. Tem a ver com o que falamos na novela. Não podemos viver no massacre cotidiano, é preciso reagir.