Cultura

A Tropicália segundo Tom Zé: Homero, Peirce, Caetano e Gil

Para compositor, canções do movimento, no rádio, criaram uma espécie de rede social ‘avant la lettre’
O músico Tom Zé, em sua casa, em São Paulo Foto: Marcos Alves/9-9-2016 / Agência O Globo
O músico Tom Zé, em sua casa, em São Paulo Foto: Marcos Alves/9-9-2016 / Agência O Globo

SÃO PAULO — Na Odisseia de Homero, as estórias populares, repetidas oralmente, além de configurarem um palpitante romance, criaram uma forma de novela de aventura repetida até hoje, no palco, no cinema, na televisão. O poema homérico deu uma semente que energizou a cultura de todo o mundo grego.

Antes de chegar à arte cancionista que Gil e Caetano fermentaram no Brasil, comento um fenômeno curioso da vida cultural da classe média americana:

Existem lá dois escritores excepcionais que são desconhecidos e desprezados por essa classe média dita intelectual. Nos meios que frequentei, tanto Rex Stout quanto Charles Sanders Peirce são ignorados ou desconhecidos.

O desconhecimento de Rex Stout se justificaria por ser ele um autor de novelas policiais, gênero tido como irrelevante, não só nos EUA. Então, é ignorado por esnobismo. Quanto ao segundo, é um caso de desinformação mesmo. Charles Sanders Peirce, fundador da semiótica, é um filósofo e lógico respeitado e estudado em todo o mundo. Também no Brasil, e por intelectuais de respeito, como os poetas concretos e Lúcia Santaella, entre outros.

“Vivíamos uma ditadura e, quando a Tropicália ressoou nas ondas do rádio, criou uma excitação tão forte que todos os jovens se sentiram armados de um fuzil semiótico que estraçalhou nossos resquícios de Idade Média ”

Tom Zé
Compositor e um dos fundadores da Tropicália

No caso da música popular brasileira inovadora, mesmo no país, é pouco relevante a conta em que se tem esse gênero se comparado à sua importância no exterior. Dando apenas um exemplo: o King’s College. Na London University fundou-se, na década passada um Connect Center, para estudar a cultura ou civilização brasileira, escolhendo-se como fonte seminal de pesquisa desse assunto, simplesmente, a canção brasileira. Repito: a canção brasileira.

Pois bem, é justamente por causa desse fato que o título deste artigo junta Homero, Peirce, Caetano e Gil.

Vivíamos uma ditadura e, quando as primeiras canções da Tropicália ressoaram nas ondas do rádio, criaram uma espécie de rede social avant la lettre , uma excitação sensorial tão forte, que todos os jovens, em todos os estados, se sentiram armados de um fuzil semiótico que estraçalhou nossos resquícios de Idade Média e levou o país, de um salto, para a segunda revolução industrial, com prenúncios da teoria dos quanta de Planck, da improbabilidade de Heisenberg, da entropia da segunda lei da termodinâmica, da linguagem do cartaz e do mosaico da TV.

Tom Zé é compositor e um dos fundadores da Tropicália