Cultura

Adulta e revigorada, Lorde busca a sua reconexão com o mundo em ‘Solar power’

Aos 24 anos, a estrela neozelandesa equilibra luz e sombras em disco de desnudamento emocional tão grande quanto o do corpo na capa
A cantora neozelandesa Lorde Foto: Ophelia Mikkelson Jones / Divulgação
A cantora neozelandesa Lorde Foto: Ophelia Mikkelson Jones / Divulgação

RIO - “Mal podia esperar para ter 15 anos / aí num piscar de olhos dez anos se passaram”, canta Lorde em “Secrets from a girl (who’s seen it all)”, uma das muitas faixas alegres/tristes de seu novo álbum, “Solar power”, que chegou ao streaming esta sexta-feira.

Os versos resumem de forma exemplar a história da neozelandesa de 24 anos, alçada ao estrelato mundial aos 16 com a canção "Royals”, aclamada pela crítica com o álbum “Melodrama” (2017) e que, depois da turnê do disco resolveu afastar-se dos palcos, das redes sociais e do mundo. Foi um hiato na carreira que Lorde usou para viver novas experiências (ela chegou até a viajar para a Antártica) e, enfim, repensar a vida.

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Nos quatro anos entre um disco e outro, as garotas superpoderosas do pop (de Lana Del Rey a Taylor Swift ) continuaram a lançar os delas. Houve até tempo para que uma Billie Eilish surgisse e lançasse dois álbuns – o mais recente deles, “Happier than ever” , cheio de canções sobre como é crescer sob os olhos do mundo. Lorde trata deste tema – e de alguns outros – em “Solar power”, o seu álbum-da-garota-que-viu-de-tudo, no qual se dá ao direito até de algum saudosismo ao narrar, em forma de canções, a sua notável trajetória: de adolescente comum de um subúrbio de Auckland a porta-voz da juventude desorientada, falando a partir de Los Angeles.

Capa do álbum "Solar power", da cantora neozelandesa Lorde Foto: Reprodução
Capa do álbum "Solar power", da cantora neozelandesa Lorde Foto: Reprodução

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A vivência californiana, luminosa e cercada de celebridades, ela relata de forma leve, mas crítica, em canções como “California”, “The path” (“vamos esperar que o sol nos mostre o caminho”) e a faixa-título, sobre a superação de tristezas, num embalo noventista e alegre que lembra muito o de “Come together”, do Primal Scream. Outras vezes, Lorde é um pouco mais venenosa, como em “Dominoes” (“é estranho ver você fumando maconha / você cheirava mais cocaína / do que qualquer um que conheci”) ou mais desencantada, no caso de “Mood ring” (“o mundo inteiro está me deprimindo / Você não acha que o começo dos anos 2000 parece tão distante?”).

Há um bom espaço para a tristeza, pura e simples, nas faixas “Big star” (sobre o seu cachorro que morreu), “The man with the axe” e “Stoned at the nail salon”, todas elas construídas com esmero, sob estruturas folk, pelo produtor Jack Antonoff. Mas a grande preocupação de Lorde no disco não é com suas próprias agruras, e sim com o futuro de um planeta ameaçado pelo aquecimento global e pelo desequilíbrio ecológico.

“Fallen fruit” (“como vou amar o que sei que vou perder?”) e “Leader of the new regime” chamam a atenção para a questão e, com um pouco mais de otimismo e poesia, “Oceanic feeling” fecha o disco quase como um manifesto por uma redenção do planeta envenenado.

É uma incógnita se, com “Solar power” Lorde conseguirá retomar a linha ascendente de quem um dia foi saudada por David Bowie como o futuro da música. Ousado (para o bem e para o mal) e sem as melodias e refrãos poderosos dos quais o pop de alta performance não pode dispor, o disco oferece ao menos uma qualidade muito prezada pelo público de 2021: um desnudamento de alma quase tão grande quanto aquele que Lorde apresenta, de corpo, na capa do disco.

Cotação: Bom