Cultura

Amos Gitai revê a história do pai, expulso da Alemanha pelo nazismo

Cineasta cria museu em Israel e faz filme, livro e exposição em tributo ao arquiteto Munio Weinraub

AMOS GITAI no Gitai Architecture Museum (GAM), construído no antigo ateliê de seu pai: local vai abrigar exposições a partir de setembro
Foto: Divulgação
AMOS GITAI no Gitai Architecture Museum (GAM), construído no antigo ateliê de seu pai: local vai abrigar exposições a partir de setembro Foto: Divulgação

RIO - De portas abertas a partir de setembro, quando acolherá uma exposição de trabalhos ligados à Bauhaus, a escola alemã de design fechada pelos nazistas, o primeiro museu de arquitetura de Israel teve suas obras terminadas anteontem. Sua criação é um gesto simbólico do cineasta Amos Gitai. Ícone da contestação política no cinema israelense, do qual é um expoente internacional, o realizador de "Kippur — O Dia do Perdão" (2000) idealizou a instituição, chamada Gitai Architecture Museum (GAM), em tributo a seu pai, o arquiteto Munio Weinraub (1909-1970). No ateliê dele, no bairro de Carmel, em Haifa, o cineasta ergueu, com recursos próprios, uma galeria para acolher exposições de diferentes países. Criou ainda uma sala para debates e um espaço para oficinas que exploram novos conceitos arquitetônicos para habitação.

— Os centros de estudos de arquitetura estão cada vez mais preocupados com grandes obras, como a construção de aeroportos. O GAM quer caminhar em outra direção e pensar na arquitetura de casas. É um meio de essa arte ficar mais próxima das pessoas e ser pensada em âmbito doméstico — explica, por telefone, o cineasta, que concluiu a construção do museu no dia em que seu pai faria 93 anos.

Longa com Schygulla e Moreau

Dividido entre o cinema e suas experiências com videoinstalações, Gitai vai assinar a curadoria do GAM nos primeiros meses, mantendo em uma de suas alas uma exposição que detalha os 36 anos que Weinraub dedicou à arquitetura.

— Já no ano que vem, a ideia é termos curadores convidados — diz o cineasta.

Na inauguração, no segundo semestre, obras de arquitetos que foram contemporâneos de Weiraub na Bauhaus serão exibidas como parte de um projeto multimídia de Gitai para rever suas saudades do pai. Weiraub foi um dos judeus condenados pelos nazistas a deixar a Alemanha, largando seus estudos na Bauhaus. O seu exílio e o processo que levou a escola criada por Walter Gropius (1883-1969) a encerrar atividades em 1933, sob a pressão das tropas hitleristas, Gitai condensou em seu novo longa, "Lullaby to my father".

— Em 1933, os nazistas acusaram meu pai de traição contra o povo alemão. Ele foi preso e acabou expulso do país. Ao rever esse processo de expulsão, "Lullaby to my father" expõe o repúdio que Hitler nutria pelos conceitos da arte moderna, que encontram na Bauhaus uma nova tradução para a arquitetura — diz o cineasta

Rodado em 2011 e já em finalização, de olho numa vaga no Festival de Cannes (16 a 27 de maio), "Lullaby to my father" traz uma narrativa mais experimental do que o estilo semidocumental de Gitai.

— Tentei reconstituir os episódios vividos sem definir um ator fixo para representá-lo. Na sequência em que ele é julgado, por exemplo, aparece uma cadeira vazia.

Com narração das atrizes Jeanne Moreau e Hanna Schygulla, "Lullaby to my father" traz Yaël Abecassis, uma das atrizes mais populares de Israel, vivendo uma personagem que seria equivalente à ativista política Efratia Margalit, mãe do cineasta.

— Tenho feito exercícios em diferentes linguagens audiovisuais para não incorrer numa estrutura didática ou num formalismo vazio. O cinema que pretende ir além do escapismo precisa encontrar um equilíbrio entre esses dois caminhos. Até porque Hollywood já cuida bem do escapismo. O formato narrativo que tento em "Lullaby to my father" vem na sequência de uma interpretação plástica que fiz para o julgamento de meu pai na instalação "Traces" — diz o cineasta de 61 anos.

Cartas dos pais em livro

Definida por Gitai como um "poema visual" sobre Weinraub, "Traces" ocupou todas as galerias do Palais de Tokyo, em Paris, em 2011. Em abril, ela e outras instalações dele serão exibidas na embaixada italiana em Berlim. Para fechar o "pacote" midiático paterno, o cineasta publicou pela editora francesa Gallimard "Efratia Gitai", coletânea de cartas trocadas com os pais. Agora, negocia com a Cosac Naify a edição brasileira das cartas. Ao rever o passado, o diretor de filmes premiados como "Kedma" (2002) reconsidera seus conceitos estéticos:

— Agora, ocupado com o projeto do Museu de Arquitetura, revejo posições que tomei em relação à arte. Quando jovem, poderia ter seguido os passos do meu pai e virado arquiteto, com chances de estudar em Berkeley. Mas nos anos 1970, a opção de viver de arquitetura me soou formalista demais perto do que o mundo precisava. Comecei a fazer filmes por ver o cinema como a escrita da memória. Hoje, organizando exposições, repenso o papel social da arquitetura.