Ana Paula Lisboa
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Ana Paula Lisboa 

Escritora, jornalista e apresentadora.

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Ana Paula Lisboa 

Por Ana Paula Lisboa


É certo que uma imagem vale mais que mil palavras, mas vale quanto? Quem precifica as palavras? As palavras, que teoricamente valem menos que as imagens, são as palavras faladas ou as palavras escritas?

A minha primeira imagem de Luanda, e por isso a minha primeira foto aqui, foi a de um prédio. Então, o cineasta Fradique realizou “Ar-condicionado” e, antes dele, o escritor Ondjaki escreveu “Os transparentes”. E, então, há tantas formas de contar histórias sobre os prédios desta cidade e, junto delas, as imagens e as palavras.

A imagem é a seguinte: imagine uma traição entre amigos. Sabe aquela pessoa querida, que você conhece há anos, de quem você só fala bem, que indica para tudo e para todos, convida para todas as festas, aquela que chega na sua casa e abre a geladeira, aquela que você chama para batizar o teu filho. Essa pessoa que você tanto admira abriu a boca bem grande e bem alto para falar as piores coisas de você, em praça pública. E não foi algo que te contaram, você estava lá e ouviu tudo.

Foi assim que os angolanos sentiram-se quando Ana Maria Braga entrevistou Tina, então a última eliminada do “BBB 23” para o seu tradicional “mata-bicho”. A questão foi que, enquanto a apresentadora contava sobre o país para os telespectadores, as imagens apresentavam uma terra destruída por décadas de conflitos.

A conexão entre Angola e Brasil vai além das pessoas sequestradas, de música, capoeira, inquices, alegria, língua, palavras ou o mesmo invasor. Pelo menos pelo lado angolano, é uma conexão de irmandade, daquelas que a gente tem com o irmão que pode não ser sangue, mas que a gente escolhe.

Não é que o povo angolano ignore a história, mas os 45 segundos de imagens escolhidas para ilustrar Angola contrastam absurdamente com a realidade atual do país. Tudo é uma escolha, toda escolha é política, toda imagem educa.

Desde a minha primeira foto aqui, a do prédio, eu já sabia da importância do cuidado com as imagens. Não basta não ser racista, é preciso ser antirracismo. É preciso não dar às pessoas o que elas esperam ver sobre o continente africano: fome, pobreza, guerra, destruição. Não porque fechamos os olhos para isso, mas há muito mais que isso, muito mais! Eu vejo todos os dias. E, olha, eu sou só uma leiga, uma comunicadora curiosa. Como é então possível que eu saiba disso e um programa televisivo não saiba?

É preciso aprender coisas básicas, como a preposição certa: não é DA Angola e sim DE Angola. Pelo amor de Deus, eu estou cansada de passar vergonha com vocês! O pior é que todas as imagens que produzi nesse tempo, todos os fotógrafos e profissionais de audiovisual deste país valem menos que os 45 segundos de imagens de destruição e pobreza.

E, meu Deus, por que acham que toda menina negra tem uma história de abandono e dor pra entreter vocês? O foco na morte do pai de Tina durante a guerra foi, sei lá, vou chamar de inoportuno. Tina, e sua autoestima angolana, rebateu com toda a classe do mundo que sentiu falta do pai, mas que não lhe faltou figura paterna e, melhor, que nunca lhe faltou nada.

Se tem uma coisa que Angola me deu foi autoestima. Eu tenho pensado muito sobre o nada e sobre a falta. Há uma chave que virou e que sigo tentando me lembrar de mantê-la virada. Deixar de enfatizar o que me faltou e os buracos que ainda tenho para lembrar do quanto já sou inteira e que nada me falta.

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