Ana Paula Lisboa
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Ana Paula Lisboa 

Escritora, jornalista e apresentadora.

Informações da coluna

Ana Paula Lisboa 


Tóquio — Foto: Shutterstock
Tóquio — Foto: Shutterstock

Não serve para acabar com os conflitos armados na República Democrática do Congo, ou nenhum outro das dezenas de conflitos no continente africano. Não ajuda a dar visibilidade, a enviar ajuda humanitária, não faz com que o restante do mundo queira saber ou se importe. Menos ainda impacta na guerra da Palestina ou da Ucrânia.

Não ajudará em nada para que se faça justiça por Jeferson de Araújo Costa, morto por um policial na Avenida Brasil, na Maré. E o que poderia fazer por Everton da Silva, motoboy negro, algemado em plena luz do dia no Rio Grande do Sul, mesmo sendo a vítima de uma agressão a faca por um homem branco.

A poesia não está a serviço de nada, é sem serventia. Talvez sirva para abrir feridas e lembrar que “um homem com uma dor é muito mais elegante”.

Por isso não quis ser poeta ou poetisa, sabia que minha avó reclamaria, não aceitaria. Como boa virginiana, ela sabe que poesia não serve para nada além da função dela mesma. Serve para ninguém além do próprio poeta, não tem papel coletivo, não tem uníssono porque cada um pensa como quer. Ou como pode.

Eu tinha 17 quando decidi não ser poeta. Leminski disse que era fácil, mas não era, senhor Leminski, nunca foi. De onde eu venho, ser poeta não é bem visto, benquisto. Poesia não paga aluguel, não compra comida, não sustenta nove filhos, não planeja a aposentadoria.

Como justificar então esta razão que permanecia na mão, discorria em papéis lisos, folhas de caderno. Desejos que aos 17 diziam tudo, mas ninguém entendia. E os amores que me ardiam no peito, e o que eu achava que achariam belo, como uma árvore frondosa ou um passarinho.

Enquanto isso, só me vinha inspiração de plantas simples e rasteiras, galos que cantavam às seis e as notícias da Rádio Globo. Continua sendo minha falha, nunca conseguir escrever para o outro.

Mas eu era, eu juro que era, junto com as minhas espinhas na cara. E hoje, com mais que o dobro dessa idade, eu digo que continua não me servindo de nada. Não explica nada do que quero dizer, não diminui nada, não cresce nada.

Só ficam me perguntando se estou bem, estou bem, estou bem… como pode um poeta estar bem se a poesia não serve de nada, não explica nada, não diminui nada, não cresce nada? Não prende nem solta, não dá caminhos. É impossível estar bem porque “é preciso um bocado de tristeza.”

Posso plantar, mas não posso comer. Não há objeto onde caiba. Meus olhos ficam cansados de ver “que não sou nada e nunca serei nada.” Poetas não me explicam, ou melhor, fazem força para que eu quase não entenda. Chão sem dono.

Uma quadrinha que declama seu amor… “eu queria, ainda quero”, e que não sei da minha cabeça. Lembrei outro dia da poesia que fiz aos 30, não dizia nada, mas tinha muita coragem, aquelas de quem pega um avião e vai pra São Paulo. Eu esperançava a poesia!

Dividida entre a lealdade que devo à minha avó, “como coisa real por fora. E a sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.” Porque se “para ser poeta é preciso ser mais que poeta”, que horas eu poderia ser as outras tantas coisas desta possibilidade? Estou sim considerando a possibilidade de ir para o Japão.

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