Dizem que a expressão “de mão beijada” vem de quando os súditos agradeciam os presentes dos reis beijando-lhes a mão. Na Igreja, os mais ricos fiéis, que faziam doações de terras, joias, prédios e até pessoas, eram recompensados com o privilégio de poder beijar a mão do Papa.
Depois, receber algo de mão beijada foi se tornando pejorativo, estranho, algo a se desconfiar. São anos de terapia desacostumando o corpo e a cabeça a receberem coisas boas de forma gratuita, sem necessariamente achar que vou ter que fazer algo em troca ou que entregaram a “bênção” no endereço errado. A gente cresce ouvindo que herança de pobre é dívida.
A pessoa preta é muitas vezes colocada no lugar do ingênuo, que não precisa de muito para ser feliz, o pobre contente, que não liga para dinheiro. Um paradoxo com o negro esperto, malandro, que está sempre tentando ganhar algo. O complicado é que o malandro só ganha trocados, não acumula riqueza, ganha e gasta. Já viu um malandro empresário?
A lógica do trabalho nos condena a ser pobres para sempre, porque contam a mentira de que pobre é que é feliz. Lembra aquele filme “Riquinho”, uma versão do quadrinho dos anos 1960? Ele se torna herdeiro depois da suposta morte dos pais, mas só é feliz de verdade quando encontra amigos (pobres) e descobre o verdadeiro significado da vida.
Não tem como não pensar na lista de bilionários da Forbes 2024, em que a maior repercussão foram os mais jovens herdeiros. Até uns 30 anos atrás, fazer a vida a partir do dinheiro dos pais não era cool, a não ser que você encontrasse o verdadeiro significado da vida.
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A Cher de “As patricinhas de Beverly Hills” encontrou o amor, a Rachel de “Friends” encontrou os amigos, as Kardashians se encontraram na construção de seus próprios clãs. Agora, a narrativa mudou, e a onda é a perpetuação da riqueza na mão das mesmas famílias. Afinal, o caminho mais curto para ser rico é nascer rico.
Alguns especialistas têm esperança na nova geração de bilionários. Dizem que eles têm outras formas de ver o mundo e de gerir suas fortunas. Que são menos ambiciosos e, ao menos no discurso, se importam mais do que os pais com o impacto positivo que seus investimentos terão no planeta. Eu não tenho nenhuma esperança, até porque bilionário nem deveria existir.
O relatório Desigualdade S/A, divulgado pela Oxfam, aponta que a riqueza dos cinco maiores bilionários do mundo dobrou desde 2020. Enquanto sete em cada dez das maiores empresas do mundo têm bilionários como CEOs ou principais acionistas, apenas 0,4% das mais de 1.600 maiores empresas do mundo se comprometem com o pagamento de salários dignos.
O segundo homem mais rico do mundo é totalmente contra o trabalho híbrido/remoto ou a jornada de quatro dias semanais de trabalho. Falando em homem, ao mesmo tempo que falamos do perfil dos mais jovens bilionários, é impossível não ver a diversidade (risos) de perfil dos top 10.
Não se engane, eu adoro dinheiro e não abro mão de ser paga pelo meu trabalho. Mas minha meta é trabalhar cada vez menos. Enquanto esse dia não chega, contrariando a mim mesma, eu tenho pensado na minha herança. Um tanto de coisas bonitas que o tempo não corrói.