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Cultura

Análise: Indicações mostram um Oscar previsível e desequilibrado

Do ponto de vista da representatividade, a Academia acabou ficando novamente em maus lençóis, por não indicar mais negros e mulheres
Joaquin Phoenix no filme "Coringa" Foto: Divulgação
Joaquin Phoenix no filme "Coringa" Foto: Divulgação

RIO - Tão importante para esse momento do Brasil — pelo que representa para o cinema brasileiro, principalmente o documentário, e pelo que ajuda na divulgação internacional das origens de nossa atual tragédia política —, a indicação de “Democracia em vertigem” também sinaliza uma das características mais fortes do Oscar 2020. O documentário de Petra Costa trouxe para o canal de streaming Netflix uma de suas 24 indicações — recorde para a nova potência econômica do audiovisual.

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Resta saber o quanto desse recorde se converterá em prêmios, já que a concorrência está forte e é possível que a baixa conversão vista no último Globo de Ouro (duas estatuetas para 34 indicações) se repita no próximo dia 9 de fevereiro, quando serão conhecidos os vencedores.

Um mau sinal para “O irlandês” , que custou à Netflix US$ 100 milhões e recebeu dez indicações. Se não vierem prêmios, porém, não será novidade nenhuma na trajetória de Martin Scorsese , indicado dez vezes como diretor e vencedor apenas uma vez, justamente por seu filme menos pessoal ( “Os infiltrados” , de 2006, “remake” de um filme de ação de Hong Kong).

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A avalanche de prêmios pré-Oscar torna a festa da Academia cada vez mais previsível, e a julgar pelo que se viu até agora, dificilmente sairão de mãos vazias Joaquin Phoenix (melhor ator por “Coringa” ), Renée Zellweger (melhor atriz por “Judy” ) e Brad Pitt (melhor ator coadjuvante por “Era uma vez... em Hollywood” ). Na categoria melhor filme a previsibilidade é menor, mas o Globo de Ouro para “1917” , de Sam Mendes , filme de um plano só que tem Steven Spielberg como mais forte aliado na campanha, já sinalizou um possível favorito.

Do ponto de vista da representatividade, a Academia está novamente em maus lençóis. Não fosse a indicação de Cynthia Erivo como melhor atriz por “Harriet" , teria se repetido a situação que, quatro anos atrás, levantou a campanha #OscarSoWhite (“Oscar tão branco”), uma reação à total ausência de atores não brancos nas categorias de atuação.

Foram especialmente doloridos os esquecimentos de Lupita Nyong’o , pelo filme “Nós” , e de Eddie Murphy , por “Meu nome é Dolemite” (outra produção da Netflix). Os protestos por uma maior representatividade de gênero também devem voltar com força já que, mais uma vez, apenas homens ocupam as cinco vagas da categoria “melhor direção” – nesse quesito, a ausência notável é Greta Gerwig , que teve seu “Adoráveis mulheres” lembrado em seis categorias, incluindo melhor filme.

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As múltiplas indicações do filme sul-coreano “Parasita” , que concorre a seis Oscars (e em menor escala as duas indicações do espanhol “Dor e glória” , de Pedro Almodóvar ), são ao mesmo tempo um alívio e um desconforto para a Academia. No fundo, é uma situação esquisitíssima — se esses dois filmes estão lá, isso significa que nenhum outro filme não falado em inglês seja tão bom quanto?

É claro que não é isso. O desequilíbrio é apenas um reflexo do Oscar se vender como uma premiação do cinema mundial quando, evidentemente, é sobretudo uma premiação da indústria do cinema americano, que abre uma ou outra janela para os filmes que de certa forma se impuseram, ao longo do ano, no circuito internacional (sobretudo dos festivais).