Cultura

Ancine veta apoio a filme sobre FHC que já havia sido aprovado

Governo cita parecer jurídico e proximidade das eleições de 2022 para justificar indeferimento de documentário; ex-presidente fala em 'discriminação política'
Cena do documentário 'O presidente improvável', sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso Foto: Reprodução
Cena do documentário 'O presidente improvável', sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso Foto: Reprodução

A Agência Nacional do Cinema (Ancine) indeferiu um projeto de filme sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A obra intitulada "O presidente improvável" já havia recebido parecer favorável, em 2018, pelo próprio órgão.

A atual decisão, assinada por dois diretores da Ancine no dia 7 de julho de 2021, considera que o longa-metragem "dá margem a inegável promoção da imagem pessoal do ex-presidente da República homenageado no documentário, com notório aproveitamento político, às custas dos cofres públicos". O órgão afirma que a decisão teve como base parecer da Advocacia Geral da União.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o cantor Gilberto Gil: os dois dialogam no documentário 'O presidente improvável' Foto: Divulgação
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o cantor Gilberto Gil: os dois dialogam no documentário 'O presidente improvável' Foto: Divulgação

Em nota jurídica protocolada junto à Procuradoria Federal, Mauro Gonçalves de Souza, diretor-presidente substituto da Ancine, ressalta que também é preciso "levar em consideração o atual cenário político vivenciado pelo país associado ainda com a proximidade das eleições presidenciais do ano de 2022".

Procurado pelo GLOBO, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirma que refuta a decisão da Ancine. E reforça que o documentário não possui qualquer fim político:

— Não há dúvidas quanto a que se trata, infelizmente, de discriminação política. Tanto mais que a esta altura da vida, com 90 anos de idade, não tenho qualquer objetivo político, a não ser o bem estar do povo brasileiro e o respeito ao país — diz.

'Ataque à liberdade', diz produtora

A produtora Giros Filmes, responsável pelo longa, afirma que a decisão da Ancine contraria outras decisões anteriores da agência, "representando um ataque à liberdade artística e de expressão". E salienta que o filme tem a pretensão de abrir uma "discussão histórica e social sobre a construção da democracia brasileira".

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— O governo está extrapolando todos os limites.  O que acontece é um ato de censura. A base da argumentação é, no minímo, patética. E o que vemos agora, nesse novo documento, não é um parecer técnico: é um julgamento arbitrário e pessoal — contesta Maurício Magalhães, sócio e CEO da Giros Filmes. — "O presidente improvável", como diz o título, é um registro sobre um homem de 90 anos que, por acaso, foi presidente.

De acordo com a sinopse apresentada à Ancine em 2018, o documentário dirigido por Belisário Franca (de “Menino 23” e “Soldados do Araguaia” ) “procura transcender o papel de obra biográfica, colocando à disposição do espectador diversas ferramentas para se situar dentro do atual cenário de ‘crise existencial’ da democracia brasileira”.

Cena do documentário 'O presidente improvável', sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: na foto, FHC conversa com o ex-presidente dos EUA Bill Clinton Foto: Reprodução
Cena do documentário 'O presidente improvável', sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: na foto, FHC conversa com o ex-presidente dos EUA Bill Clinton Foto: Reprodução

Ancine cita entrevista na TV

No documento assinado por Gonçalves de Souza, a Ancine cita uma entrevista recente de FHC ao programa "Conversa com Bial", da TV Globo, no dia 18 de maio de 2021, e que contou com participação do cineasta Belisário Franca.

Na ocasião, foram exibidos trechos já gravados do documentário inédito, em que o ex-presidente discorre sobre temas variados — abordando, em momento pontual, aspectos do governo Bolsonaro — em conversas com 18 nomes do cenário político e intelectual, como o historiador Boris Fausto, o músico Gilberto Gil , o ex-presidente dos EUA Bill Clinton, o sociólogo espanhol Manuel Castells e Graça Machel, viúva de Nelson Mandela.

"Ao assistir a mencionada entrevista, sobepeja conteúdo político no documentário objeto deste processo", frisa o documento assinado pela Ancine.

A Ancine, por meio de nota, reforçou as justificativas contidas nos documentos, alegando que submeterá a decisão — "que teve como base, entre outros, o parecer da Procuradoria Federal junto à Ancine" — à próxima reunião da diretoria colegiada do órgão, podendo ratificá-la ou retificá-la.