Cultura

André Marinho, humorista que imitou Bolsonaro em jantar para Temer: 'Não quero ficar só pregando para convertido'

Irmão da cantora Giulia Be, comediante de 26 anos, que fez sátira de presidente para Michel Temer em jantar, pretende se lançar como apresentador de TV e tem como 'conselheiro' o ex-diretor de Jô Soares
André Marinho, filho do empresário Paulo Marinho, imita o presidente Jair Bolsonaro Foto: Divulgação
André Marinho, filho do empresário Paulo Marinho, imita o presidente Jair Bolsonaro Foto: Divulgação

O episódio está cristalizado na memória de André Marinho. No dia 28 de outubro de 2002, enquanto as TVs exibiam o primeiro pronunciamento de Lula como presidente, a então criança de 7 anos adentrou o quarto dos pais e desatou a imitar o político. Foi um "momento eureca", relembra o humorista, hoje com 26 anos, que desde então usa o que classifica como um "dom" para "quebrar o gelo" em festinhas e reuniões de família. E que não demorou a fazer disso sua profissão. Na última terça-feira, ele descobriu que uma imitação cômica poderia "chacoalhar os alicerces da República", como conta.

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Em jantar na casa do investidor Naji Nahas, diante de figuras como o ex-presidente Michel Temer, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab e o próprio pai, o empresário Paulo Marinho, André arrancou gargalhadas à mesa ao satirizar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Um vídeo da ocasião ganhou as redes sociais e pôs o nome do humorista entre os assuntos mais comentados da internet.

— Foi uma bomba atômica — define, sem modéstia, o integrante do programa “Pânico”, da Jovem Pan FM, que ganhou 20 mil seguidores nas redes num só dia.

Filho de Paulo Marinho (PSDB) também reproduz voz de Ciro, Doria, Trump e Biden
Filho de Paulo Marinho (PSDB) também reproduz voz de Ciro, Doria, Trump e Biden

De um lado, bolsonaristas o atacaram com a hashtag "#bobodacorte", alegando que o encontro seria o início da candidatura de Temer para 2022. Do outro lado da arena cibernética, houve quem apontasse hipocrisia no fato de um humorista fazer graça com a situação política do país diante de investidores milionários.

— Qualquer mudança no Brasil depende de se estar aberto a quem tem poder para tomar decisões políticas. Ninguém reforma o sistema pelo Twitter — defende-se.

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Com formação em Direito e passagem pelo curso de Ciência Política da Universidade de Nova York, o jovem fala com firmeza sobre o desejo de virar um comunicador (uma de suas referências é Danilo Gentili) e consolidar um programa de talk-show, algo que já faz em seu canal no YouTube. A veia artística é compartilhada com a irmã, a cantora Giulia Be (ambos são filhos da decoradora Adriana Bourguignon).

— Bom comunicador é aquele que transita em todos os lados. E é isso que justifica minha presença lá no jantar. Não quero ficar só pregando para convertido — ele responde, frisando que a carreira política é "algo fora da órbita" por enquanto.

O discurso adquire um tom hesitante quando o assunto é Jair Bolsonaro, que ele apoiou, com unhas e dentes, em 2018. Aliás, à época, a casa de Paulo Marinho e do filho se transformou numa espécie de QG da campanha eleitoral. O pai é suplente do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), mas a família é hoje rompida com o clã.

— Lógico que estou pagando minha penitência por ter tido um vínculo próximo a Bolsonaro. Para mim, foi um privilégio ter sido testemunha ocular de capítulos alucinantes da trajetória do presidente ao Planalto. Mas tem aquela máxima. Dê poder ao homem, e verá quem ele é — afirma, em entrevista ao GLOBO.

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Imagino que você esteja falando e pensando muito sobre a repercussão do vídeo com sua imitação do presidente Bolsonaro, num jantar para políticos e empresários. Qual é o impacto disso especificamente para você?

Olha, foi engraçado, porque realmente o vídeo acabou vazando por vias tortas. Não esperava e contava com a divulgação disso, e as pessoas atribuíram uma importância desmedida à reunião, como se fosse um grande encontro para articulações políticas.

Não foi?

As pessoas estão muito imersas em tentar enxergar tudo através de uma lente política. E elas esquecem que existem pessoas só confraternizando e falando de amenidades. Essa foi a tônica do evento. Não passou de uma confraternização social sem maiores pretensões.

Como reagiu ao vazamento do vídeo?

De madrugada, pulei da cama tentando administrar a situação, mas qualquer esforço era de total inutilidade. Fui dormir às 4 horas da manhã e acordei com o meu celular parecendo um peixe fora d'água saltitando.

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Em algum momento, imaginou a repercussão que a imitação poderia ganhar?

Mal sabia eu a repercussão que aquilo teria... Muito menos que a imitação iria chacoalhar os alicerces da República. Minha intenção nunca foi gerar constrangimento. Faço isso (imitação) desde pequeno. Bem ou mal, é um talento raro que poucas pessoas têm. É um dom mesmo. Atribuíram à imitação uma importância política que simplesmente não existe.

Bolsonaristas reagiram agressivamente ao vídeo nas redes sociais. Você recebeu ameaças?

Bolsonaristas foram eleitos na esteira do combate ao politicamente correto e ao "mimimi". Eles são os maiores floquinhos de neve que existem. Eles têm a sensibilidade absurda para qualquer um que ouse criticar ou mover uma vírgula contra o mito deles, o que só demonstra a natureza autoritária deles. E o autoritarismo detesta o riso.

Você foi classificado por bolsonaristas como "bobo da corte".

Isso deixa claro que eles não conhecem a relevância do bobo da corte na Idade Média. O bobo da corte era simplesmente o melhor e maior artista do reino, e o único capaz de zombar do rei sem perder a cabeça literalmente. Aos que me chamam de bobo da corte, eu retruco com risadas de satisfação.

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Você apoiou Jair Bolsonaro em 2018 ao lado de seu pai, o empresário Paulo Marinho, um dos maiores financiadores e idealizadores da campanha do presidente. Arrepende-se?

Essa pergunta é complexa (ele gagueja) . É complicado, cara. Lógico que estou pagando minha penitência até hoje por ter tido um vínculo tão próximo com Bolsonaro naquele período eleitoral. Tento olhar o copo meio cheio e tentar extrair o melhor daquela experiência.

Como assim?

Congelando a linha do tempo, para mim, foi um privilégio ter sido testemunha ocular de capítulos alucinantes da trajetória do presidente Bolsonaro ao Planalto. Mas tem aquela máxima, né? Dê poder ao homem, e verá quem ele é. E a nossa relação sempre teve um prazo de expiração, com começo, meio e fim bem delineados.

Quando se deu esse fim?

Gustavo Bebianno (1964-2020) foi escurraçado do governo com requinte de crueldade, pela macumba psicológica feita pelo (vereador) Carlos Bolsonaro (Republicanos), que nunca se conformou com o protagonismo que a dupla Bebianno e Paulo Marinho tiveram na área de marketing da campanha eleitoral de Bolsonaro.

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Por quê?

Em grande parte, os bolsonaristas das redes sociais formam uma militância orgânica e espontânea. Mas o candidato que sai, do dia para a noite, de sete segundos na rádio e televisão, para 35 minutos no prime time ... Você presume que tem que haver uma estrutura adequada por trás. Na época, a minha casa virou o quartel-general da campanha do Bolsonaro. Em alguns momentos, vi o Bolsonaro apontar para o Bebianno e falar: "Se não fosse por ele, eu jamais estaria aqui".

Muitas pessoas criticaram o fato de você fazer graça da situação política atual diante de outros políticos e empresários milionários, num cenário de luxo, o que demonstraria certa hipocrisia. Como responde isso?

Confesso que a estética do vídeo é um prato cheio para as pessoas inventarem coisas. Mas o Brasil está triste e tenta sempre apontar o dedo para os outros, vomitando suas frustrações. Às vezes, é preciso um pouco mais de boa vontade para entender certas coisas. Qualquer mudança no Brasil depende de se estar aberto a quem tem poder para tomar decisões políticas. Ninguém melhora ou reforma o sistema pelo Twitter ou fazendo bravata em rede social. E esse episódio mostra que a gente precisa de menos rancor e mais humor. Ou você aprende a rir, ou então é Rivotril.

Quem são as suas referências no humor?

A menina dos meus olhos são os talk-shows. Sou amigo do Danilo Gentili, e tenho ele como referência. Ele é um cara que também consegue ser politicamente engajado, mas ao mesmo tempo tem uma longevidade no trabalho. Como estudei numa escola bilíngue e passei um tempo em Nova York, minha maior fonte de inspiração são os talk-shows americanos.

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Pretende comandar um talk-show?

Estou numa toada de tentar materializar o sonho de ter um talk-show, tropicalizando os formatos bem-sucedidos dos programas americanos. Quem está me assessorando nesse processo, como conselheiro informal, é o Willem Van Weerelt, diretor do Jô Soares no SBT e na TV Globo por 28 anos. Estamos unidos agora nessa missão de olhar para o ano que vem.

Por que o ano que vem deve ser produtivo para você?

Ano de eleição é sempre fértil para quem trabalha com política. E quero seguir com a única missão de fazer graça disso. No Brasil, a gente não morre de tédio. Não vejo a hora de produzir muito material e conteúdo para o ano que vem.

Deseja receber quais convidados nesses programas?

Bom comunicador é aquele que transita em todos os lados. E é isso que justifica minha presença lá no jantar. Não quero mais ficar só pregando para convertido e falando dentro da minha tribo ou me associando a pessoas no mesmo campo político-ideológico. Tenho soltado algumas entrevistas no YouTube recentemente.... Já fiz com a minha irmã, a cantora Giulia Be, o jornalista Glenn Greenwald, Reinaldo Azevedo, Ricardo Amorim...

A carreira política é algo vislumbrado por você?

Isso está longe da minha órbita. Atualmente não penso em nenhum movimento nesse sentido. Mas eu realmente fico indignado com os rumos que o país está tomando. E vou seguir contribuindo como posso. Quem sabe no futuro? Definitivamente, a política não é algo que eu descarte. Mas hoje não penso 1 segundo nisso.