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Cultura

Antonio Fagundes sobre Regina Duarte: 'Torço para que não saia queimada'

Par romântico da atriz em novelas, ele diz que tem pena dos artistas que entram para a política e também fala sobre o fim de 'Bom sucesso', novela que termina nesta sexta (24)
Antonio Fagundes diz que já está com saudades da novela 'Bom sucesso' Foto: TV Globo / Victor Pollak
Antonio Fagundes diz que já está com saudades da novela 'Bom sucesso' Foto: TV Globo / Victor Pollak

RIO - Antonio Fagundes conta que foi “uma choradeira só” nos últimos dias de gravação de “Bom sucesso”. Na novela, cujo derradeiro capítulo vai ao ar nesta sexta-feira (24), ele interpreta o editor de livros Alberto e contracena com Grazi Massafera, Armando Babaioff, Fabiula Nascimento,  Rômulo Estrela, entre outros.

— Está todo mundo tristinho, sentindo falta dos personagens e das relações. A gente se gostou muito, acho que a novela passou esse nosso prazer para o público — diz.

Reta final: Autores de ‘Bom sucesso’ revelam bastidores e comentam comparação de vilão com Bolsonaro

O folhetim deixa pelo menos um fruto. O podcast “Clube do Livro do Fagundes” , com ele dando suas dicas de leitura, que terá uma segunda temporada no Gshow.

Agora, o ator de 70 anos se concentra na peça “Baixa terapia”, em cartaz em São Paulo, e com estreia carioca marcada para o dia 1º de maio, no Teatro Clara Nunes.

Nesta entrevista, feita por telefone — o aparelho tocou exatamente na hora marcada por Fagundes, famoso pela pontualidade britânica —, ele fala sobre suas convicções ao fazer teatro sem incentivo fiscal e da provável ida de Regina Duarte, seu par romântico nas novelas “Vale tudo” (1989) e “Por amor” (1997), para a pasta da Cultura de Bolsonaro.

Qual é a importância de uma novela que tem a literatura como protagonista?

Deveria ser política de estado, né? Incentivar as pessoas a ler é tão importante para a formação de todos... Tão bonito conseguir essa função social com um trabalho feito inicialmente para divertir. Tive um prazer enorme quando uma mãe levou o filho à minha peça. Ele tinha comprado todos os livros que indiquei no podcast ( “Clube do Livro do Fagundes”, do Gshow, criado na esteira do sucesso da novela e que, depois de 21 programas, ganhará nova temporada ).

É verdade que mergulhou na leitura aos 6 anos, quando teve mononucleose?

Sim, isso mesmo. O primeiro clássico que li foi “Os miseráveis” . Nem tinha idade, mas alguém me passou por debaixo dos panos na escola. Me marcou muito.

“Bom sucesso” ironizou termos usados por Bolsonaro, discutiu racismo, machismo, relacionamentos abusivos. A novela é o Brasil de 2020?

Toda obra que vale a pena faz referência ao seu momento. Mas eu ressaltaria a alegria, a positividade, a forma com que os personagens encaram a vida apesar de viver em tempos sombrios: com otimismo, esperança e vontade de lutar para que as coisas melhorem.

Como você, fã de livros, avalia esse momento em que  o conhecimento está sendo negado?

Não é só no Brasil, mas no mundo. Há uma tentativa de avanço das trevas. Mas como já disseram: “Não passarão”. Veja só, o livro que mais faz sucesso hoje é “1984”. Reflete a nossa atualidade e foi escrito em 1948. Tudo é cíclico.

O que achou do discurso de Roberto Alvim e como avalia a provável ida de Regina Duarte para a secretaria da Cultura?

Serve para a gente prestar atenção. Graças a Deus, nosso sistema é democrático, e o governo acaba em quatro anos. Sobre Regina, tenho sempre pena de artista que entra nessa jogada. Temos tanta coisa para fazer e o jogo sujo da política só pode trazer coisa ruim. Torço para que a Regina não saia queimada. O fato é que com dotação orçamentária de 0,6% ninguém consegue gerir um patrimônio cultural do tamanho do Brasil. Não falo só de teatro e cinema, mas de patrimônio histórico, museus, sinfônicas, companhias de dança, de circo... Este enorme patrimônio que cria a nossa sociedade e faz com que nos reconheçamos no outro. Governo que destina essa quantia à Cultura não se interessa pelo Brasil. E esta, infelizmente, não é prerrogativa desse governo, acontece desde 1500.

Você fez par romântico com Regina em “Vale tudo” (1989) e “Por amor” (1997). Como é a colega de cena ?

Talvez eu tenha sido o ator que mais fez par romântico com a Regina, foram uns três ou quatro. Sempre foi muito bom, é uma ótima companheira.

Acha que o comportamento de sedutor incorrigível do Atílio, de “Por amor”, reprisada em 2019, seria aceito hoje?

Ele tinha delicadeza e gentileza. Fazia saladinha, mandava flores, era romântico. Não lembro de nenhum assédio do Atílio, ele era respeitoso. Acho que esta é uma visão é deformada. Acho até que ele era delicado demais. Na época, lembro de pensar “meu Deus, o cara faz saladinha”. Talvez, atualmente, fosse criticado pelos homens, porque hoje, infelizmente, quem faz saladinha está apanhando na rua ( o ator se refere à homofobia ).

Críticos disseram que, com Alberto, personagem que se autodefine como um Quasímodo (o Corcunda de Notre Dame) você foi além do galã. Concorda ?

Só de TV Globo eu tenho 44 anos. Acho que fiz isso em outros personagens também. Nunca me especializei em ser galã. Você não se faz galã, as pessoas é que te fazem. Até porque, ser bonito ou não é relativo. Eu, particularmente, não sou meu tipo de homem. Nunca entendi quando dizem que sou bonito. Homem bonito para mim é Mastroianni, Brad Pitt.

Como consegue estar há três anos em cartaz com a peça “Baixa terapia” sem patrocínio?

Tenho 54 anos de profissão e só tive três patrocínios. Acho que é obrigação do Estado patrocinar a cultura. Grandes monumentos e momentos culturais da Humanidade foram patrocinados. Não teríamos Beethoven, Michelangelo, Da Vinci se não fosse governo, um conde ou um duque. Museu não se mantém com ingresso da entrada, nem companhia de dança, que ensaia oito horas por dia. Mas outras obras podem ser feitas. Gostaria que a classe artística, quem puder, arregaçasse as mangas e fizesse a coisa por meio da relação direta com o público. Até para ter independência e liberdade e, assim, dar uma banana para quem quer nos impedir.

Em entrevista à revista "Veja", em 2017, você disse que a Lei Rouanet não era "nem política cultural nem de mercado”. Por que?

Patrocínio é bom, mas a forma com que foram usando deu errado. A gente não pode deixar política cultural na mão de gerente de marketing. Nem governo nenhum pode dizer o que deve ser feito. Quem tem que determinar é o público. Temos que ter liberdade de fazer, e o público, de assistir. Se não quiser, é só não ir. Arte tem que ser livre. A gente fecha teatro, destrói museu, acaba com sinfônicas, impede o cinema de existir, proíbe exposição de arte e critica livro porque tem palavrinha demais. O que vai resultar dessa nação? Aqueles que preconizam o fim das ciências humanas não entendem que, se você não não compreende o enunciado, não adianta saber matemática.

Você acaba de entrar no Instagram (no último dia 15). Foi por influência de atores jovens, que estão sempre postando nos estúdios de gravação? Está curtindo?

Eu era o mais velho desse elenco. A Valentina ( Vieira, de 11 anos, a Sofia de “Bom sucesso” ) já tinha Instagram com milhões de seguidores e eu nunca tinha nem entrado. Me rendi. Sempre me senti um "analfabyte". Li o livro “O cérebro no mundo digital”, que levanta a tese de que a Internet veio para ficar, não tem saída. A autora ( Maryanne Wolf ) prega uma convivência entre todos as formas de se relacionar com o conhecimento. E eu percebi que estava atrasado. Tinha uma convivência íntima com a leitura e nenhuma com a modernidade. Resolvi abrir uma portinha.

Você completou 70 anos. Tem problemas com a idade?

Dói um pouco as costas ( risos ). No mais, está tudo bem. Antes, eu subia escada de três em três degraus. Agora, subo de dois em dois.

O espera da vida daqui para frente?

Muita coisa. Produzi o filme “Contra parede” ( disponível no GloboPlay ) e estou produzindo o musical “Carmen, a grande pequena notável”, que está em cartaz em São Paulo. É impressionante como a gente conhece e não conhece Carmen Miranda. O público canta todas as músicas, mas não sabe que erem dela. Quero levar para o Rio, mas está complicado. Mas estou com mil coisas na cabeça.