Cultura

Ao completar 50 anos, Museu da Imagem e do Som se prepara para mostrar seu acervo em nova sede

Fotos, discos e depoimentos estarão disponíveis em caráter definitivo ao público em 2016, em Copacabana
Simulação da fachada da nova sede do MIS Foto: Divulgação
Simulação da fachada da nova sede do MIS Foto: Divulgação

RIO — O brasileiro não tem memória. A frase, tão repetida, resume bem o artigo que o documentarista e crítico musical Maurício Quadrio publicou no início de 1965, falando de sua coleção de vozes. O governador Carlos Lacerda leu o texto, procurou o autor e a partir desse encontro criou o que seria o Museu da Imagem e do Som, inaugurado em 3 de setembro daquele ano, durante as comemorações do quarto centenário da cidade. Portanto, lá se vão 50 anos, tempo em que o MIS, dedicando-se a preservar “o espírito carioca e a alma cultural brasileira”, empenha-se em tornar aquela frase coisa do passado.

As comemorações — cuja cerimônia oficial será nesta quarta-feira, na Sala Cecília Meireles, com vídeo de depoimentos, entrega de medalhas, show de Teresa Cristina, Nelson Sargento e Monarco, e presença do governador Pezão — ocorrem com o olhar já apontado para o futuro: a abertura, no primeiro semestre de 2016, da sede na Avenida Atlântica, em Copacabana. O primeiro prazo de encerramento das obras, em 2012, foi postergado algumas vezes por conta da complexidade do projeto arquitetônico e da estrutura do terreno.

— Não é um novo MIS — faz questão de esclarecer a presidente da casa, Rosa Maria Araujo. — É, sim, a nova sede.

NO INÍCIO, ACERVO OCUPOU PRÉDIO DO IML

Há indisfarçável orgulho entre os que trabalham, já trabalharam ou pelo menos tiveram, nesses 50 anos, alguma ligação com o MIS, de seu papel na vida da cidade. Tudo começou com a compra, com verba do antigo Banco do Estado da Guanabara, dos acervos de Maurício Quadrio (o primeiro diretor), do fotógrafo Augusto Malta e do radialista Almirante. A coleção de vozes de Quadrio (Ruy Barbosa, Tolstoi, De Gaulle, Hitler, Roosevelt, Churchill, Lenin e outras personalidades) foi o primeiro acervo adquirido. As fotos de Malta, conseguidas junto à família, são um admirável registro do Rio antigo. Já o recibo de aquisição da coleção de Almirante (discos, partituras, fotos, programas de rádio) dá bem ideia de como foram incipientes os primeiros passos do MIS: em lugar de detalhar peça por peça, como seria feito depois, tudo que o recibo diz é que se comprava “todo o segundo andar” da residência de Almirante.

Outro detalhe: o MIS começou ocupando o antigo Instituto Médico Legal. Mas a sede com a qual ele mais se identificou, até agora, é mesmo a do prédio da Praça XV, construído e inaugurado no centenário da Independência, em 1922.

Orgulho, também, é o sentimento por o MIS ter sobrevivido a pelo menos dois momentos críticos. O primeiro, o incêndio de 1981, destruindo parte do acervo (a que se salvou ficou, por meses, literalmente abandonado no Palácio do Ingá, em Niterói). O segundo, a ameaça do metrô, já que o plano inicial previa a passagem de linha pela Praça XV, com demolição da sede (como o metrô já provocara a derrubada do Palácio Monroe, a ameaça ao MIS parecia inevitável). Com a campanha “MIS por um triz”, movimento liderado pela Associação dos Amigos do Museu e apoiado por intelectuais e pela própria população, o prédio foi tombado em 1989, no governo Moreira Franco.

Glauber Rocha e Cacá Diegues na filmagem de 'A grande cidade'; foto faz parte do acervo do MIS Foto: Divulgação/MIS
Glauber Rocha e Cacá Diegues na filmagem de 'A grande cidade'; foto faz parte do acervo do MIS Foto: Divulgação/MIS

Do começo ainda tímido ao futuro que o aguarda, o MIS tem passado por diversas fases. De início, foi um museu audiovisual pioneiro, lançando ideia que seria seguida em várias cidades brasileiras. Ricardo Cravo Albin foi o segundo diretor, sucedendo Quadrio. Nos anos 1960 e 70, além de centro de documentação de música e imagem, o MIS tornou-se valioso centro cultural. Cursos, ciclo de palestras, exibição de filmes (inclusive os censurados), local de encontro e lançamento de ideias e novos comportamentos, representaram efetivo papel em tempos de ditadura. Criaram-se ali os Conselhos Superiores (cinema, música, teatro, esporte) e os prêmios Estácio de Sá e Golfinho de Ouro. Iniciou-se, também, a série de “depoimentos para a posteridade”, começando por personagens formadores da música brasileira, João da Baiana e Pixinguinha. Esses depoimentos, feitos até hoje, são uma das preciosidades do MIS. De início, eram gravados em fita de rolo, depois em cassete, mais adiante em vídeo, até chegar, hoje, à era digital.

Rosa Maria, há nove anos à frente do MIS, é personagem que sintetiza o espírito desta nova fase, adequando o rico acervo (milhares de documentos, depoimentos, discos, partituras, instrumentos e fotos, como as de Elis Regina, Cauby Peixoto, Braguinha e Grande Otelo e Oscarito, algumas das que ilustram esta página) aos avanços tecnológicos. A maior parte de tudo já está digitalizada, ou a caminho disso, disponível quando for inaugurada a nova sede. Historiadora, ligada afetiva e profissionalmente à tradição urbana e cultura do Rio de Janeiro, Rosa Maria foi convidada para o cargo por Luiz Paulo Conde, na época o secretário de Cultura do governador Sérgio Cabral. E desde o início procurou dar ao museu uma orientação técnica, com gente especializada para cada setor (documentação, pesquisa etc.). Uma de suas prioridades foi justamente a digitalização do acervo que, com a permanente doação feita por colecionadores vários, não para de crescer.

— Várias pessoas, ligadas ou não ao MIS, me sugeriram pensar na criação de um anexo, uma vez que as sedes da Praça XV e da Lapa já não eram suficientes — conta Rosa Maria. — Foi então que, mais do que de um anexo, surgiu a oportunidade de construirmos uma sede.

A decisão do governador Sérgio Cabral de apagar a boate Help da paisagem da cidade abriu espaço para que, ali em Copacabana, entre a praia e o Pavãozinho, fosse construída a nova sede, obra que tem apoio da iniciativa privada. No caso, da Fundação Roberto Marinho, que já dera igual suporte ao Museu do Futebol, inaugurado em São Paulo no Estádio do Pacaembu.

— Esse espaço chegou no momento certo — lembra Rosa Maria. — Quando pensamos na nova sede, procuramos outros lugares aparentemente disponíveis, inclusive a estação da Leopoldina. Definida a área, abrimos concurso para o projeto arquitetônico, para quatro firmas brasileiras e quatro estrangeiras. O escolhido foi o do escritório americano Diller Scofidio & Renfro.

ANDARES TEMÁTICOS NA AVENIDA ATLÂNTICA

A curadoria da nova sede foi entregue ao jornalista Hugo Sukman, cedido pela Fundação Roberto Marinho. Sendo música e cinema seus principais interesses, suas ideias, todas aprovadas pelo MIS, combinam perfeitamente o passado, matéria-prima de todo museu, com a atualidade ou mesmo o futuro, como se exige de um museu moderno. Sukman dividiu tematicamente os cinco andares, onde estarão dispostos o humor e a rebeldia do Rio, incluindo carnaval; a música (samba, choro, bossa nova); os felizes trópicos, sobre o Rio para exportação, mais o acervo de Carmen Miranda, a ser incorporado ao MIS; o Rio como paisagem; as noites cariocas, dos saraus ao baile funk.

A fachada do prédio da Praça XV em 1960 Foto: Divulgação/MIS
A fachada do prédio da Praça XV em 1960 Foto: Divulgação/MIS

São mostras permanentes, que se alternarão com as temporárias. Há ainda o restaurante panorâmico, a boate no subsolo, café, livraria, todo o projeto expográfico a cargo de Daniela Thomas e Felipe Tassara, os mesmos do Museu do Futebol.

Aos 50 anos já vividos — e hoje comemorados — junta-se assim a crença de que ainda há brasileiro com memória. E que, pelo que diz a atual secretária de Cultura, Eva Doris Rosental, a moda pode pegar.

— A cidade vai ganhar um novo cartão postal, uma nova sede arrojada, que transformará a paisagem física e também cultural do Rio. É bom saber que o acervo do MIS, acumulado ao longo de 50 anos, ficará disponível ao público de um modo pop, atraindo diferentes gerações.