Cultura Artes visuais

Mostra no CCBB do Rio destaca obra de Giorgio Morandi e sua ligação com a Bienal de São Paulo

Italiano recebeu o Grande Prêmio de pintura na quarta edição do evento, em 1957; exposição apresenta também 23 trabalhos de artistas influenciados por sua produção
Natureza morta pintada por Morandi em 1951
Coleção | Collection Istituzione Bologna Musei/Museo Morandi Foto: Coleção Museo Morandi
Natureza morta pintada por Morandi em 1951 Coleção | Collection Istituzione Bologna Musei/Museo Morandi Foto: Coleção Museo Morandi

Marcada pela economia no uso das cores e representação das formas, a ausência do elemento humano e a serialidade de composições, em uma incansável pesquisa temática e técnica, a obra de Giorgio Morandi (1890-1964) costuma ser associada a um elemento estranho ao universo pictórico: o silêncio. Mas é justamente esta experiência o que o público do Rio poderá conferir a partir da próxima quarta-feira no Centro Cultural Banco do Brasil , que recebe a mostra “Ideias — O legado de Morandi”, após sua passagem pelo CCBB paulistano, entre setembro e novembro.

Programada para coincidir com a 34ª Bienal de São Paulo (cuja quarta edição, em 1957, deu ao italiano o Grande Prêmio de pintura), a exposição também foi adiada em um ano por conta da quarentena contra a Covid-19, de 2020 para 2021. A seleção das 34 obras de sua autoria vindas do Museu Morandi, em Bologna, traz um outro tipo de percepção do tempo, que se conecta ao presente, atravessado pela pandemia.

— Durante a pandemia, estabelecemos uma outra relação com as imagens, inclusive as que usamos para nos comunicar, nas telas dos celulares e computadores. Mas são imagens cercadas de distrações. Não por acaso, as plataformas de streaming cresceram tanto agora. Morandi vai no sentido contrário destas distrações, suas obras demandam proximidade, atenção — observa Gianfranco Maraniello, ex-diretor do Museu Morandi e um dos curadores da mostra, em entrevista por Zoom. — É curioso dizer que uma tela é silenciosa, porque em tese todas deveriam ser. Mas há telas mais ruidosas, com mais movimento. Nas de Morandi, há um tempo expandido, em que não se sabe sequer qual a estação do ano ou mesmo a hora do dia do que está retratado.

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Junto aos trabalhos do italiano, a mostra traz outras 23 obras de seis artistas de diferentes gerações e nacionalidades que, mesmo de forma menos evidente, guardam referência na obra de Morandi: Josef Albers (1888–1976), Franco Vimercati (1940–2001), Luigi Ghirri (1943–1992), Lawrence Carroll (1954–2019), Wayne Thiebaud e Rachel Whiteread. A proposta era trazer ao país um olhar sobre a permanência do italiano diferente do da exposição “Giorgio Morandi no Brasil”, montada em 2012 na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre (RS), mas focada na sua influência sobre artistas brasileiros.

— Além de destacar o trabalho de um museu dedicado a um único nome, a ideia era mostrar como sua obra segue atual ao tocar a sensibilidade de artistas que viveram em outros tempos e oriundos de culturas tão diferentes da sua — comenta Maraniello, que assina a curadoria com o também italiano Alberto Salvadori.

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Doutorando em Estética e História da Arte pela USP e especialista em Morandi, Victor Murari destaca que a ligação do artista com a Bienal de São Paulo vem desde a primeira edição, de 1951

— Morandi expôs na primeira Bienal e ganhou o prêmio de gravura da segunda, em 1953. A Bienal de 1951, aliás, foi inspirada na Bienal de Veneza de 1948, a primeira pós-Guerra e pensada para retirar a Itália do isolamento causado pelo fascismo. O Brasil também queria se inserir no circuito internacional de arte, e o Ciccillo Matarazzo (fundador do evento brasileiro) visita Veneza em 1948 para conhecer o formato — explica Murari. — O prêmio em 1964 também ficou como uma das grandes polêmicas da Bienal de São Paulo, com a imprensa carioca defendendo que fosse dado a (Marc) Chagall e a paulista endossando a escolha por Morandi.

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Além das obras, o CCBB apresentará uma reprodução fotográfica em grande escala de Luigi Ghirri, que possibilitará ao público “entrar” no ateliê de Morandi, espaço onde criou a maior parte de suas obras e que só deixou, entre 1943 e 1944, para se refugiar no povoado de Grizzana, durante a Segunda Guerra. Lá, trocou as naturezas-mortas de garrafas e potes pela paisagem local, mas pintadas à moda Morandi, como ressalta Maraniello:

— Todo o mundo de Morandi é reduzido à forma essencial, até mesmo a paisagem. Quando está em Grizzana, ele não pinta a paisagem como faziam os impressionistas. Ele restringe seu campo de visão, criando um mundo controlado.

A mostra abre para convidados na terça, e, na inauguração para o público, na quarta, serão distribuídos 400 catálogos. Os visitantes também poderão montar suas próprias composições a partir de elementos que o italiano utilizava em suas obras na instalação interativa Morandi Coletivo.

“Ideias — O legado de Morandi”
Onde:
CCBB — Rua Primeiro de Março, 66, Centro (3808-2020). Quando: Dom, seg e qua, das 9h às 19h; qui a sáb, das 9h às 20h. Até 21/2/22. Quanto: Grátis. Classificação: Livre.