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André Diniz adapta 'O idiota', clássico de Dostoiévski, para HQ

Álbum que sai no início de abril tem influência de arte africana e xilogravura
Capa de "O idiota", adaptação de André Diniz para os quadrinhos do clássico de Fiódor Dostoiévski Foto: Divulgação
Capa de "O idiota", adaptação de André Diniz para os quadrinhos do clássico de Fiódor Dostoiévski Foto: Divulgação

SÃO PAULO — Adaptação para os quadrinhos de “O idiota” , o álbum que o selo Quadrinhos na Cia lança no início de abril traz o clássico de Fiódor Dostoiévski (1821-1881) traduzido no estilo duro, seco e cortante de André Diniz . Inspirado na arte africana e na técnica da xilogravura (gravação em madeira), Diniz transporta o drama protagonizado pelo humanista e epilético príncipe Liév Míchkin para a linguagem da arte sequencial sem transformar nenhum elemento da trama original.

Lançado primeiro em Portugal, no ano passado, pela editora Levoir, “O idiota” fez parte de uma coleção publicada em parceria com o jornal “Público” em que figuravam também autores como Frank Miller, Neil Gaiman, Paco Roca e Miguelanxo Prado. Diniz mudou-se para Lisboa em 2016, após uma estafa que resultou na depressão que o assombrou de 2013 a 2015.

A adaptação começou a ser concebida entre 2010 e 2011. Nesse período, o artista carioca fez a primeira versão do roteiro, segundo ele, um dos mais difíceis que já escreveu:

— Cheguei a desenhar mais de cem páginas, mas interrompi a produção em 2013, por conta de uma depressão e estafa crônicos. Retomei a produção em 2016, já com outros olhos, e decidi refazer boa parte do roteiro e redesenhar tudo do zero, num estilo diferente.

A edição brasileira de “O idiota” traz os diálogos concebidos originalmente por Diniz, que foram traduzidos para o português lusitano na edição de Portugal. A explicação, segundo o artista, é simples:

— Os meus outros três álbuns publicados aqui eram marcadamente passados no Brasil, e o público português está tão familiarizado com a nossa forma de falar que, num caso desses, preferem ler no texto original do que ver, por exemplo, cariocas dizendo que vão à “casa de banho” ou perguntando “em que sítio tu vais estar?”. Já no caso de “O idiota”, que obviamente não se passa no Brasil, não havia necessidade de manter o brasileirismo nas falas, mesmo sendo bem poucas.

Até 2008, Diniz tinha álbuns publicados em parceria com outros desenhistas, mas poucos trabalhos desenhados por ele mesmo. O traço, segundo o artista, era inseguro, indefinido, e não tinha tinha função narrativa, apenas o usava para contar histórias. Até que se fixou na arte africana e a xilogravura.

— Elas batiam exatamente com as minhas características que eu considerava, até então, limitações: minha mão é pesada, ela quebra a ponta do lápis a cada traço, e o meu olhar é mais bruto, vê mais formas geométricas e exageradas do que as nuances de um desenho realista. Então, foi juntar isso tudo e eu descobri, finalmente, a minha voz e o meu prazer com o desenho.

Entre as principais referências de Diniz nos quadrinhos, estão o brasileiro Flavio Colin (1930-2002) e o americano Peter Kupper:

— O traço do Colin, que tinha as mesmas influências que eu, era uma paixão minha desde a primeira vez em que o vi, lá pelos anos 1990. Outro desenhista, esse estrangeiro, que me desperta também um grande fascínio é o Kupper.

“O idiota” é o primeiro lançamento do ano do selo de quadrinhos entre as adaptações de clássicos da literatura. Até dezembro, estão programados pelo menos mais dois títulos importantes dessa linha: em julho, sai “A obscena Senhora D”, de Hilda Hilst (autora homenageada este ano na Festa Literária de Paraty), por Laura Lanes, e em agosto, “A revolução dos bichos”, de George Orwell, por Odir Bernardi. A ambiciosa adaptação de “Os miseráveis”, de Victor Hugo, por Francisco Marcatti foi postergada para o ano que vem.