RIO — O rosa coral que cobria a fachada cedeu lugar a um rosa mais suave e acolhedor, “colonial”, tom dos primórdios da casa, no Cosme Velho. No patamar intermediário da escada que leva ao segundo andar, a tapeçaria do francês Jean Lurçat (1892-1966) foi substituída por uma escultura vibrante de Frans Krajcberg (1921-2017).
“A ideia é fazer um lugar que seja uma suspensão de tempo da cidade. Pelo próprio jardim, por essa franja da Floresta da Tijuca, o espaço terá um tempo menos frenético”
No jardim, os 40 icônicos flamingos que habitavam o lago foram levados para uma fazenda — acostumados à serenidade da rotina doméstica, não suportariam o fluxo de visitantes esperado para o local a partir de 28 de abril, quando será inaugurada a Casa Roberto Marinho .
A instituição cultural nasce no lugar que por décadas serviu de residência ao jornalista, e tem como objetivo ser um centro de exibição e pesquisa da arte moderna brasileira, foco da coleção adquirida ao longo de sete décadas .
A casa limítrofe à Floresta da Tijuca foi palco de festas memoráveis, que juntavam empresários, artistas e intelectuais. Ali, Dorival Caymmi e Amália Rodrigues cantaram, e Tônia Carrero e Paulo Autran encenaram peça do Teatro Brasileiro de Comédia. Após a morte de seu proprietário, em 2003, e a da viúva, Lily Marinho, em 2011, o local ficou desocupado.
Desde então, os três filhos do jornalista (com Stella Marinho, a primeira mulher) vinham pensando em como transformá-la em uma casa viva, mas que não passasse pelo culto à personalidade do pai, nem que fosse uma casa-museu, como conta Lauro Cavalcanti, diretor do espaço:
— O briefing que tive foi: “Queremos homenagear o nosso pai através da coleção, através da casa e do jardim. Não queremos nada melancólico, nada laudatório, nem passadista. Queremos algo para dar nova vida à casa”.
A nova vida tem início com duas exposições : a primeira, que ocupa todo o segundo andar, é “Modernos 10 — Destaques da Coleção”, e reúne 124 obras de dez grandes nomes do modernismo brasileiro, com quem Roberto Marinho conviveu e de quem adquiriu um vasto número de peças, como Pancetti, Portinari, Tarsila e Guignard. A segunda, “10 Contemporâneos”, reúne dez gravuras de artistas brasileiros em atividade que em algum momento das carreiras usaram casas como tema.
A transformação de uma residência em espaço destinado a exposições, apto a receber cerca de 200 visitantes por dia, é de autoria do arquiteto Glauco Campello. Ele diz que procurou respeitar a essência do imóvel — erguido em 1939 tendo como modelo o Solar Megaípe, construção pernambucana do século XVII — adaptando-o às necessidades técnicas de um centro cultural.
Para isso, reforçou as estruturas da casa, promoveu mudanças — o cinema, antes no segundo andar, desceu para o térreo — e fez acréscimos: onde havia o estacionamento, há agora um prédio que abriga uma cafeteria, uma pequena livraria e o espaço educativo. A casa da guarda se transformou na recepção aos visitantes. O arquiteto acrescentou ainda, nos fundos do local, uma reserva técnica, que abrigará parte da coleção de 1.473 peças.
— A casa retoma a sua sobriedade original — diz Campello. — O meu trabalho foi justamente valorizar os aspectos simples, que estão ligados à arquitetura brasileira, e atender às requisições de seu novo uso. É como se ela se desdobrasse numa nova etapa de vida, mas ligada à sua origem.
Tão importante quanto o imóvel é o seu entorno. São 10 mil m² de jardins projetados por Burle Marx — onde, às esculturas já existentes de Bruno Giorgi e de Maria Martins foram acrescentadas três de artistas contemporâneos: Raul Mourão, Carlos Vergara e Ascânio MMM. Há ainda uma obra de Beth Jobim, “Concretos II”, na fachada lateral da reserva técnica.
— A ideia é fazer um lugar que seja uma suspensão de tempo da cidade — diz Cavalcanti. — Pelo próprio jardim, por essa franja da Floresta da Tijuca, o espaço terá um tempo menos frenético: exposições longas, com filmes, debates, atividades educativas, um convite a uma certa tomada de tempo.
O acervo estará aberto a pesquisadores, mediante agendamento. E o site da instituição promete ser bastante informativo. — A ideia é nos transformarmos num centro ativo de referência de modernismo. E também de abstracionismo gestual, outro ponto forte da coleção. Como o abstracionismo geométrico fez tanto sucesso na arte brasileira, de certo modo nublou a visão do abstracionismo gestual — observa Lauro. — Com isso, deixou-se de ver muitos artistas importantes, e a coleção é rica nesse aspecto.
SAIBA MAIS DETALHES SOBRE O CENTRO CULTURAL
A CASA. Fica na Rua Cosme Velho 1.105 (3298-9449). A partir do dia 28, funcionará de terça a domingo, das 12h às 18h, com ingressos a R$ 10 (meia-entrada a R$ 5). Às quartas, o acesso será gratuito.
ÁREA DE EXPOSIÇÕES. Todo o segundo andar, onde antes eram os aposentos privados da família, foi adaptado para receber mostras, com 674 m². No térreo, há um outro espaço, com 567m².
JARDIM. Os 10 mil m² projetados por Burle Marx ganharam obras de Carlos Vergara, Raul Mourão e Ascânio MMM. No lago, os flamingos deram lugar a carpas, menos suscetíveis ao fluxo maior de pessoas.
CINEMA. Fica no térreo e tem capacidade para 34 pessoas. No período de inauguração, será exibido um filme dirigido por Antonio Carlos da Fontoura sobre a casa.
CAFETERIA. Será administrada pelo Metiers Café, com capacidade para 40 pessoas. Nos dias de semana, funciona no mesmo horário da casa. Aos sábados, domingos e feriados, das 9h às 19h.
LIVRARIA . Ficará a cargo da Pinakotheke, editora especializada em livros de arte. Venderá publicações ligadas às exposições da casa e de arte em geral.
ESTACIONAMENTO. Há uma área com vagas para 30 carros,gratuita, em frente à casa.