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Concurso Internacional do Bolshoi, em Moscou, premia quatro bailarinos brasileiros

Artistas escapam das dificuldades da carreira por aqui e conquistam espaço entre talentos estrangeiros
Brasileiros no balé do Bolshoi
Brasileiros no balé do Bolshoi

MOSCOU — Debaixo de chuva, os brasileiros Victor Caixeta, Carol Freitas e Anne Jullieth Pinheiro apareceram diante da monumental entrada do teatro Bolshoi perto das dez da noite de terça-feira passada. Eram os últimos a deixar o Olimpo do balé, cada um agarrado a um buquê de flores e um diploma, as provas de terem passado pelo palco mais sonhado por bailarinos de todas as nacionalidades. Eram três dos quatro brasileiros premiados na final da XIIIª Competição Internacional de Balé de Moscou; a quarta foi Amanda Gomes, egressa da escola do Bolshoi de Joinville, hoje primeira solista da Ópera e Balé Tatar de Kazan, a 815 quilômetros a oeste de Moscou.

Ao todo, 19 bailarinos e coreógrafos subiram a escadaria armada no centro do palco do imponente salão histórico, em cerimônia que fazia lembrar a entrega do Oscar. Representantes de várias gerações estavam ali entre os jurados das provas disputadas por quase 200 bailarinos profissionais.

Os sorrisos largos dos três não escondiam a realização e ignoravam, pelo menos naquele momento, a crise atravessada pelo balé brasileiro.

— Ter dançado aqui em Moscou já é uma imensa experiência. Não fiquei nervoso. Aquilo já era um presente que tinha ganho — disse ao GLOBO Victor Caixeta, de 18 anos, que ficou com a terceira colocação na categoria solo júnior.

Este já é o quarto prêmio do brasileiro nascido em Uberlândia somente neste ano. Ele ficou com os primeiros lugares no Berlin Tanzolymp e no European Ballet Grand Prix de Viena (onde também recebeu o prêmio especial do júri), ambos realizados em fevereiro. Caixeta mora em Berlim desde 2016, para onde se mudou para estudar na Escola Estatal da capital, e negocia um contrato com uma tradicional companhia de balé. Ele começou a estudar balé clássico aos 11 anos no projeto social Pé de Moleque, da diretora artística do Ballet Vórtice, Guiomar Boaventura. Já tinha sido finalista, em 2014 e 2015, do Youth America Grand Prix, em Nova York.

Carol Freitas e Anne Jullieth Pinheiro receberam a menção honrosa naquela noite. Nascida em Goiânia, a primeira estuda na escola estatal Itego em Artes Basileu França. Carol parou o terceiro grau do ensino médio para continuar investindo no balé. Estava prestes a cursar engenharia.

— A profissão é tratada como um hobby, um capricho. Não existe uma política consistente de incentivo para o balé. Você precisa superar muitas dificuldades. Estou sem estudar porque queria fazer balé — afirmou.

A piauiense Anne Jullieth, que estuda na Especial Academia de Ballet, em São Paulo, acrescentou:

— É triste. Só melhora (a vida do bailarino ) se for para fora mesmo.

Caixeta lamentou a falta de chances para os bailarinos brasileiros em casa.

— Temos tantos talentos e tão poucas oportunidades... — disse.

TENDÊNCIA HÁ MAIS DE UMA DÉCADA

O final da cerimônia daquela noite ainda teve na plateia o presidente russo, Vladimir Putin, que tinha como convidado o presidente brasileiro, Michel Temer, então em visita de dois dias à Rússia. Os bailarinos não chegaram a vê-los. Já tinham feito suas participações solo nas apresentações dos laureados.

Organizadora da viagem que levou as professoras para assistir aos pupilos em Moscou, a brasileira Katty Houlis não se comoveu com a presença de Temer.

— Queria ver o presidente assistindo a balé nas salas brasileiras, no Municipal, onde os profissionais estão passando por tantas dificuldades — disse.

Apesar de todas as dificuldades, a vitória dos quatro confirma a existência de uma espécie de rota do balé brasileiro para a Rússia, um país ainda pouco aberto a profissionais de fora (à exceção de egressos das ex-repúblicas soviéticas), como comprovam os quadros das principais companhias do país e os resultados da competição da semana passada.

A tendência começou há pouco mais de uma década com a já veterana Mariana Gomes, uma dos quatro integrantes brasileiros do Bolshoi em Moscou, todos saídos da escola de Joinville. A filial do Teatro Mariinski, em Vladivostok, tem como solista a também brasileira Raphaela Morel, que dançou “Carmen” no mês passado.

Amanda Gomes, de 22 anos, que ficou com o segundo lugar na categoria pas-de-deux senior e um prêmio de US$ 20 mil, é hoje estrela em Kazan. No ano passado, recebeu a medalha de ouro em uma das competições mais prestigiadas no cenário mundial da dança, o Varna International Ballet Competition. Nascida em Goiânia, mudou-se para Joinville em 2004 para iniciar os estudos na Escola do Teatro Bolshoi, onde se formou.

* Enviada especial a Moscou