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Doc mostra jornada espiritual de Marina Abramovic pelo Brasil

Artista sérvia buscou curar seu coração partido em périplo de seis mil quilômetros
Em 'Espaço além', de Marco del Fiol, Marina Abramovic viaja pelo Brasil em busca de cura pessoal e inspiração artística Foto: Divulgação
Em 'Espaço além', de Marco del Fiol, Marina Abramovic viaja pelo Brasil em busca de cura pessoal e inspiração artística Foto: Divulgação

SÃO PAULO — Em 2012, ao desembarcar no Brasil, a sérvia Marina Abramovic planejava fazer uma viagem pelo país em busca de “pessoas e locais de poder”. As razões, naquele momento, não estavam muito claras nem para a célebre artista performática nem para a equipe de filmagem que a acompanhava. O resultado do périplo, que somou seis mil quilômetros percorridos em seis estados, e os motivos de Marina para fazer esse mergulho místico são revelados no filme “Espaço além”, de Marco del Fiol, em cartaz a partir do próximo dia 19 nos cinemas de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Brasília, Salvador e Curitiba.

Em visita a São Paulo para promover o filme, no início desta semana, a artista contou que estava de coração partido — o segundo marido a abandonara por uma mulher mais jovem — e precisava buscar energia, renovar seu estoque de vitalidade. O primeiro contato com o país, em 1989, ajuda a explicar por que escolheu vir para cá para fazer essa “renovação”.

— Eu vim para fazer uma pesquisa sobre minerais, que acabou resultando em trabalhos como “Objetos transitórios para uso humano” — diz ela, em entrevista nos Jardins, na Zona Oeste da capital paulista. — Fui a muitas cidades no Norte, no Sul, na Amazônia, em Minas Gerais. Planejei essa viagem incluindo locais de poder para que eu pudesse aprender com essas pessoas. Performance, que é uma forma de arte imaterial, lida com energia. E o Brasil tem abundância de conhecimentos nesse sentido.

Embora “Espaço além” seja o registro de uma jornada espiritual, Marina diz não acreditar em Deus, mas sim em “energia”.

— Não acredito em Deus como um ente físico, afinal, estamos no século XXI. Existe essa crença de que, quando alguém morre, 21 gramas de energia deixam o corpo. Para onde essa energia vai? Energia é indestrutível, ela apenas se transforma. E eu acredito em energia. Acredito em diferentes forças — defende ela.

No filme, as câmeras acompanham a artista sérvia em visitas contemplativas e imersivas. Na Casa de Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, Goiás, ela presencia as operações espirituais de João de Deus, entre as quais uma intervenção no olho de um homem feita com a lâmina de uma faca comum de cozinha. O médium, que diz receber mais de 120 espíritos, não deixou, num primeiro momento, que suas sessões e cirurgias feitas a seco e sem nenhum tipo de esterilização fossem filmadas. Segundo ele, seria necessário que todos os espíritos dessem autorização para as filmagens.

— Resolvemos ficar lá, apenas observando. Um dia, quando eu estava meditando, ele chegou para mim e disse que os espíritos haviam autorizado — conta ela. — Eu o conheci nos Estados Unidos, por meio de um amigo que o havia frequentado, mas apenas pelas curas espirituais. Se ele realizasse operações nos americanos como faz aqui iria direto para a cadeia. Então, era natural que o procurasse.

Outras duas experiências de Marina registradas no filme mostram o grau de comprometimento da artista com a sua “purificação” espiritual. No Riachinho de Zezito Duarte, na Chapada Diamantina, na Bahia, ela experimenta chá de ayahuasca em um ritual xamânico. A primeira dose não provoca nela reação nenhuma. Ao ingerir uma segunda dose, reforçada, passa pelo que chamou de uma das reações mais radicais de sua vida:

— Eu nunca tomei drogas — conta, ao comentar o episódio. — Quando tomei a primeira dose, não senti nada. Mas vi que o fotógrafo, que havia tomado a mesma dose, andava com um tripé sem máquina pelo gramado dizendo que estava registrando imagens. Quando tomei a segunda dose e fui me levantar, parecia que tinha sido arrastada por um rolo compressor. Vomitei, mijei e me caguei toda, tudo ao mesmo tempo. Tive que ser levada de lá e fiquei 17 horas sob o efeito da bebida.

“ONDA DE COISAS RUINS”

Em outra jornada imersiva, Marina passa por um ritual de purificação em Curitiba, no Paraná, com o fitoterapeuta Rudá Iandê e com a xamã Denise Maia. Depois de sessões em que seu corpo passa por banhos de ervas, cristais e lama, a artista sofre uma espécie de provação. Por meio de uma série de rezas e passes, a xamã concentra em dois ovos todos os principais problemas e entraves da “paciente”.

— No fim, eu tinha que quebrar os ovos com as mãos — explica Marina. — O primeiro foi fácil. Mas o segundo estava impossível, como se pode ver. Não estava fingindo. Acho que foram todas essas coisas acumuladas acontecendo na minha vida ao longo do tempo. Mas consegui.

Marina Abramovic e o diretor Marco Del Fiol Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Marina Abramovic e o diretor Marco Del Fiol Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

“Espaço além” traz também imagens da artista em encontros com líderes espirituais e comunitários como Dona Flor, cujo nome verdadeiro é Florentina Pereira dos Santos, uma especialista em plantas medicinais de Alto Paraíso, Goiás. E Mãe Filhinha, como era conhecida Narcisa Cândido da Conceição, fundadora do terreiro Yemanjá Ogunté e membro da Irmandade da Boa Morte — a líder espiritual morreu em 2014, aos 110 anos.

Marina, que completa 70 anos no dia 30 de novembro, se diz feliz por estar no Brasil, apesar do momento delicado de “transição” pelo qual o país passa. Para a sérvia, que também trabalha no registro de suas memórias, esse período sombrio tem início em um dos momentos mais traumáticos para os brasileiros:

— Aquele 7 a 1 que a seleção brasileira tomou da Alemanha foi um grande problema — comenta ela, com o semblante sério. — Acho que essa onda de coisas ruins começou com aquela energia muito ruim.