Cultura Artes visuais

Em sua 57ª edição, Bienal de Veneza reflete sobre mundo em desordem

Cinco brasileiros participam de evento, que pretende aproximar público e artistas
Instalação "Horse problem" da artista argentina Claudia Fontes é uma das atrações da Bienal de Veneza Foto: STEFANO RELLANDINI / REUTERS
Instalação "Horse problem" da artista argentina Claudia Fontes é uma das atrações da Bienal de Veneza Foto: STEFANO RELLANDINI / REUTERS

RIO — Com abertura ao público neste sábado, a 57ª Bienal Internacional de Arte de Veneza destaca o papel transformador do artista na sociedade e propõe uma maior aproximação entre os criadores e o público. Com o tema “Viva arte viva”, o evento, que segue até 26 de novembro, é inspirado pelo humanismo, o ímpeto capaz de influenciar a criação e, ao mesmo tempo, fazer o artista colocar-se contra as forças que dominam os rumos mundiais.

A curadoria ficou a cargo da francesa Christine Macel, curadora-chefe do Centro Pompidou de Paris, para quem a arte é o “último bastião, um jardim para cultivar acima e além das tendências e interesses pessoais, uma alternativa inequívoca ao individualismo e à indiferença”. Em seu texto de apresentação, Christine destaca a responsabilidade de o artista trazer reflexões para um mundo abalado por conflitos e choques. “Numa época de desordem global, a arte envolve a vida, mesmo com as inevitáveis dúvidas que vão surgir. O papel, a voz e a responsabilidade dos artistas são mais cruciais que nunca, em meio aos debates contemporâneos. É através dessas iniciativas individuais que o futuro do mundo toma forma, e, embora incerto, ele é muitas vezes melhor intuído pelos artistas que por outras pessoas.”

A partir desta premissa, a curadora selecionou obras de 120 artistas vindos de 50 países, dos quais 103 nunca haviam participado da Bienal. Uma delas é a brasileira Erika Verzutti, que levou para o evento duas obras: “Turtle”, uma tartaruga de papel-maché de grandes dimensões, e “Pet cemetery”, um conjunto de peças de materiais como bronze, concreto, resina e cerâmica instalado no Giardino Delle Vergini. Erika acredita que o mais importante na proposta da curadoria é a possibilidade de reivindicar a autonomia do artista, que tende a ser perdida em meio às narrativas propostas por grandes eventos do circuito de arte.

— Vi muitas obras aqui que exaltam o próprio fazer artístico, essa liberdade essencial para que o artista possa trabalhar no que acredita, independentemente se trará uma resposta ou não — observa Erika, que está há duas semanas em Veneza para montar suas obras. — Há um posicionamento político inclusive quando montamos trabalhos cujos significados dependem exclusivamente da subjetividade de seu criador e do público. A arte também precisa ocupar este lugar em que ela não precisa responder nada a ninguém, a transcendência dela está justamente aí.

Além da paulistana Erika, foram escalados outros três artistas brasileiros para a mostra principal “Viva arte viva”: o carioca Ernesto Neto, o baiano Ayrson Heráclito e o pernambucano Paulo Bruscky. Além deles, a mineira Cinthia Marcelle foi selecionada pelo curador Jochen Volz para desenvolver uma instalação para o Pavilhão do Brasil na Bienal.

Outra proposta da 57ª Bienal é aproximar os artistas do público. Entre as ações previstas para atingir este fim, estão as Mesas Abertas, espaço para debates entre criadores e espectadores nos diferentes pavilhões. Uma iniciativa que vai ao encontro da obra levada por Ernesto Neto, “Um sagrado lugar”, uma grande estrutura de tecido inspirada numa kupixawa, a casa social dos índios huni kuin, do Acre. Com a mesma interatividade que marca a a produção de Neto, a obra é aberta ao público, que pode entrar e permanecer em seu interior.

— Toda aproximação é fundamental, é preciso estar aberto para receber a todos com gentileza, coisa que falta em nossa sociedade. O contato com os huni kuin me mostrou que todo mundo é artista, todos os índios são — comenta Neto.

De volta à Bienal após 16 anos, o artista carioca viajou acompanhado de seis índios huni kuin, e ontem fez uma apresentação da Dança da Jiboia, um ritual de cura da tribo, para o qual convidou todo o público presente no momento.

— Ali não era uma performance, não fazia sentido o público assistir. É uma dança de cura, as pessoas foram convidadas para entrar na jiboia formada pelos movimentos. Enquanto você canta e dança seu corpo trabalha, vai se curando — explica Neto. — A sociedade ocidental cultua a tristeza, a morte. Muito diferente dos índios, que são ligados à alegria, ao coletivo. Estamos dentro de um evento que é inegavelmente marcado pelo consumo. Quanto mais inacessível é uma obra, se está atrás de um vidro à prova de balas, mais ela vale. Mas ali não, estamos convidando o público para entrar na obra, a dançar junto e se curar neste processo.