RIO — Projetada para ocupar a principal estação ferroviária de Zurique, a instalação “GaiaMotherTree” terá 20 metros de altura, ligando o espaço do chão ao teto, inteiramente confeccionada à mão com tiras de algodão. A proposta nasceu da vontade de Sam Keller de comissionar, por meio da Fondation Beyeler, uma obra em grande escala de Ernesto Neto no país. Amigo de longa data e admirador do trabalho do brasileiro, o diretor do museu lembra do encontro que tiveram no local, há dois anos, quando o artista começou a desenvolver o projeto.
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— Mesmo antes de conhecê-lo, já acompanhava o trabalho do Ernesto Neto em feiras de arte, instituições ou eventos como a Bienal de Veneza. Depois passei também a admirá-lo como o grande ser humano que é. Há algum tempo pensávamos na possibilidade de ele desenvolver um trabalho em grande escala, inicialmente em Basel, mas depois surgiu a oportunidade de fazer em Zurique — comenta Keller. — Nos encontramos em Zurique, lembro que estava muito frio e tomávamos café e chocolate quente, e ele começou a desenhar o projeto na hora, em um guardanapo. Já tinha esse aspecto monumental, de uma grande árvore, que ia até o teto da estação.
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Imaginada como uma árvore da vida, a instalação será confeccionada em crochê de voile de algodão e terá elementos como cestos de palha, especiarias, terra, plantas e cascalho, com bancos e almofadas para que o público fique em seu interior.
— A ideia começou a surgir na hora em que eu e o Sam estávamos na estação. A criação passa por um caminho muito menos racional do que as pessoas creem. É preciso estar no ambiente, sentir a atmosfera, a respiração, as tensões. O racional entra depois, no desenvolvimento do projeto, na hora de colocar de pé — destaca Neto.
O artista salienta a proposta de transformar um espaço de passagem em um lugar de encontros.
— A instalação foi pensada em uma característica forte do Brasil, a interatividade. Ela aparece numa roda de samba, num ambiente de conversa ou numa roda indígena — explica Neto, que começará a executar a montagem da obra em 24 de junho. — Sempre quis que meus trabalhos fossem além das paredes das galerias ou dos textos especializados. Ali é um lugar de passagem, mas onde as pessoas podem se encontrar, ter um momento de pausa.
Neto espera que o público suíço aproveite o ambiente imaginado por ele como uma forma de reencontro com a natureza, como ocorreu em outras instalações montadas na Europa, como “Leviathan Thot”, que ocupou o Panthéon de Paris, em 2006, ou “Um sagrado lugar”, desenvolvido para a Bienal de Veneza do ano passado:
— Pensamos muito em outros povos a partir das diferenças, quando as semelhanças são maiores. Os suíços ficam alegres, tristes, vão ao banheiro como nós. Espero que eles se sintam à vontade na instalação.
O debate de hoje faz parte do “Artist talks”, programa internacional da Fondation Beyeler no qual artistas contemporâneos falam sobre os seus trabalhos, e é produzido na EAV pelo Instituto Inclusartiz. Presidido pela colecionadora argentina radicada no Rio Frances Reynolds, o Inclusartiz mantém um programa de residências que já recebeu no Rio nomes como o britânico Christopher Page e a polonesa Joanna Piotrowska.
— A nossa proposta é de promover encontros e compartilhar conhecimento. Seja quando um artista ou intelectual de fora vem nos visitar, ou apresentando o trabalho de um criador brasileiro de uma forma diferente. O debate é uma chance de o público daqui saber mais sobre uma obra que será executada na Suíça, a difusão da arte brasileira no exterior — ressalta Frances.