Cultura Artes visuais

Luiz Braga abre mão de cores para destacar a cultura amazônica

Premiado fotógrafo inaugura a individual ‘Espelho d’água’, na Galeria da Gávea
Foto da exposição "Espelho dágua", de Luiz Braga Foto: Luiz Braga / Divulgação
Foto da exposição "Espelho dágua", de Luiz Braga Foto: Luiz Braga / Divulgação

BELÉM — Ao adentrar o Mercado de Ver-o-Peso, Luiz Braga é imediatamente chamado por Dona Coló, vendedora de ervas e celebridade local de uma das maiores atrações turísticas de Belém. Os dois conversam sobre fotos de anos atrás, enquanto Coló o presenteia com um vidro de “Cheiro do Pará”. A cada corredor, outros barraqueiros interrompem sua caminhada pelo mercado repleto de cores e histórias que o paraense apresentou ao mundo, em exposições em países como Alemanha, EUA, França, Inglaterra e Japão, bem como na 53ª Bienal de Veneza, em 2009, na qual foi um dos representantes brasileiros. A relação intrínseca de Braga com a cidade e arredores, como a Ilha de Marajó, e seus habitantes está expressa na individual “Espelho d’água”, que inaugura a nova sede da Galeria da Gávea com uma seleção de 33 trabalhos (sendo 31 em preto e branco) realizados entre os anos 1980 e 2016, com abertura hoje para o público.

— O espaço geográfico em que atuo deve ser de uns 100 quilômetros, em Belém e comunidades próximas, Marajó, Mosqueiro. Tenho fotos feitas na Bahia, no Ceará, em Goiás, mas o núcleo do meu trabalho é mesmo Belém. Não sou um fotógrafo com a intenção de mapear o Brasil, meu mergulho é sempre aqui, cada vez mais profundo — observa Braga, que diz nunca ter ficado mais de um mês longe da capital paraense em seus 61 anos. — Não consigo ficar muito tempo longe, chego a antecipar volta de viagens para chegar logo. No fim dos anos 1980, quando a fotografia estava longe de ser o que é hoje, fui à casa do ( fotógrafo cearense ) Chico Albuquerque e falei das dificuldades de trabalhar de Belém, que planejava me mudar para São Paulo. Olhando minhas fotos, ele disse: “Sabe o que vai ganhar se mudando para São Paulo?” e abriu a camisa para me mostrar a cicatriz da operação de safena. “Para fazer seu trabalho, você tem que ficar em Belém”. Segui seu conselho e nunca mais saí daqui.

Foto da exposição "Espelho dágua", de Luiz Braga Foto: Luiz Braga / Divulgação
Foto da exposição "Espelho dágua", de Luiz Braga Foto: Luiz Braga / Divulgação

Foi circulando pela periferia de Belém, no trajeto para a Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Pará (UFPA), entre 1975 e 1983, que Braga, na época já trabalhando como fotógrafo, encontrou inspiração para algumas de suas imagens mais célebres. Hoje, concentrando sua produção na Ilha de Marajó, a 50 quilômetros da capital paraense, ele lamenta não poder levar sua câmera por bairros como Jurunas e Guamá, da mesma forma que fazia há 30 anos.

— Cansei de fotografar aqui à noite, de madrugada, hoje é impensável. Existe a censura da violência, que limita a área de circulação a poucos pontos da cidade. Além disso, as pessoas na cidade estão menos receptivas, o contato ficou mais difícil. Por isso tenho fotografado mais na Ilha de Marajó, lá tenho a liberdade que experimentei na Belém dos anos 1980 — compara o fotógrafo.

Luiz Braga em uma casa construída na Ilha do Combu, na região metropolitana de Belém Foto: Nelson Gobbi
Luiz Braga em uma casa construída na Ilha do Combu, na região metropolitana de Belém Foto: Nelson Gobbi

Nas praias e nos pequenos municípios da ilha, Braga dá sequência a um de seus projetos mais conhecidos, “Nightvisions”, em que utiliza filtros infravermelhos para capturar imagens durante o dia, criando uma luz única para as fotos. A série de 2012, que teve origem em suas primeiras experiências com câmeras digitais, em 2004, foi revisitada após uma conversa com um colecionador, que criou uma nova perspectiva sobre o trabalho.

— A série ganhou este nome por conta dos óculos de visão noturna, que usam tecnologia infravermelha, mas me dei conta de que há um outro conceito que engloba as imagens, que passei a chamar de “Édem”. Percebi que estava mapeando uma espécie de paraíso, um planeta que existe mas foi transmutado pela fotografia — conceitua Braga. — Mergulhei nos arquivos em busca de imagens que representem essa proposta, que me inspira a sair com a câmera. Isso acontece algumas vezes, a ideia por trás de determinados trabalhos vem com o tempo, algumas imagens causam um movimento de expansão na cabeça.

Foto da exposição "Espelho dágua", de Luiz Braga Foto: Luiz Braga / Divulgação
Foto da exposição "Espelho dágua", de Luiz Braga Foto: Luiz Braga / Divulgação

Curador da exposição, Bernardo Mosqueira ressalta a forma como Luiz Braga valoriza a cultura cabocla, mas de uma forma menos relacionada à tradição da fotografia documental, em que a denúncia ou a crítica social costumam estar relacionadas ao tema e aos personagens das imagens.

— O Luiz não retrata um tempo específico, real. Tanto que as fotos dos anos 1980 se confundem com imagens recentes. As pessoas se fundem à natureza, como se fossem seres encantados, em cliques feitos de forma muito próxima. Essa cultura ribeirinha transborda ali, mas dentro de um universo criado por ele — observa Mosqueira.

Para o fotógrafo, é essa cultura preservada em imagens a principal riqueza da região.

— No ciclo da borracha tentaram fazer de Belém a “Paris dos Trópicos”, uma época em que se tentou eliminar a cultura cabocla, em que sequer a farinha podia ir à mesa. Hoje, os antigos casarões estão em ruínas, mas a cultura nativa sobreviveu, é ela que dá alma à cidade — aponta Luiz Braga, que, apesar de ter sua obra concentrada na Amazônia, nunca fotografou em aldeias indígenas. — Gosto de retratar o limite entre a cidade e a floresta, os saberes vindos na natureza aplicados ao meio urbano. Por isso, nunca senti vontade de fotografar em aldeias, sobretudo diante de trabalhos como os da Claudia Andujar, do Milton Guran, não imaginava o que fazer além daquilo. Mas sinto que está chegando a hora de ir, desde que possa fazer um trabalho com sutileza, longe dos estereótipos.

Foto da exposição "Espelho dágua", de Luiz Braga Foto: Luiz Braga / Divulgação
Foto da exposição "Espelho dágua", de Luiz Braga Foto: Luiz Braga / Divulgação

“Espelho d’água”

Onde: Galeria da Gávea — Rua Marquês de São Vicente, 431 (2274-5200). Quando: Seg. a sex., das 11h às 19h. Sáb., das 11h às 18h.

Quanto: Grátis. classificação: Livre.