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Cultura Artes visuais

Mercado de arte enfrenta a crise com recursos digitais, mas vê convergência entre real e virtual no futuro

‘Visita’ a ateliê por Zoom, exposição que se vê da rua e novas plataformas de acesso às obras: colecionadores e galeristas criam novas formas de interação enquanto a pandemia persiste
A escultura 'Mulher reclinada', do colombiano Fernando Botero, que fez parte do leilão de arte latina, na Christie's de Nova York, em 30 de julho Foto: TIMOTHY A. CLARY / AFP
A escultura 'Mulher reclinada', do colombiano Fernando Botero, que fez parte do leilão de arte latina, na Christie's de Nova York, em 30 de julho Foto: TIMOTHY A. CLARY / AFP

RIO — Colecionadora brasileira radicada em Paris, Sandra Hegedüs sempre teve reservas sobre comprar arte on-line. Dia destes, porém, fez uma “visita” por Zoom ao ateliê de Ana Elisa Egreja, em São Paulo, e acabou comprando uma obra da artista. Com as regras de distanciamento social impostas pela Covid-19, o mercado de arte está perdendo de vez os preconceitos e se rendendo a novas formas de fazer negócio.

Todo mundo reconhece que nada substitui a experiência presencial, mas alternativas de interação têm empolgado tanto que galeristas e especialistas já apostam num futuro bem dosado entre o virtual e o real, em que uma boa plataforma on-line pode garantir a subsistência das empresas.

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— A experiência pelo Zoom foi totalmente diferente de receber o PDF de uma obra. Foi como ir ao ateliê — conta Sandra. — Conversamos bastante, e ela (a artista) falou sobre detalhes dos trabalhos.

Enquanto esperam a volta plena das atividades, galerias e artistas experimentam modelos híbridos de interação com o público. Até amanhã, a Luis Maluf Art Gallery apresenta em São Paulo a exposição “Drivethru.Art”. São obras de 18 artistas, que podem ser vistas apenas a bordo de automóveis, num galpão na Vila Leopoldina. No Rio, quem passa pela Rua Aníbal de Mendonça, em Ipanema, pode ver, até o dia 25 de setembro, a coletiva “Como habitar o presente?”. Durante 24 horas, todos os dias, a vitrine da galeria Simone Cardinelli, no número 171, exibe trabalhos em vídeo de nomes como Anna Bella Geiger, Jeane Terra, Manata Laudares e Gabriela Noujaim.

Exposição 'Como habitar o presente?', na galeria Simone Cardinelli Foto: Frederico Arêde
Exposição 'Como habitar o presente?', na galeria Simone Cardinelli Foto: Frederico Arêde

— Na arquitetura, a vitrine é um espaço de transição, o que representa o momento que vivemos — diz Simone. — Recebo fotos todos os dias de gente que passa em frente à galeria de carro só para ver as obras.

O ambiente virtual, adotado por galerias, feiras e casas de leilão, tem ajudado a encarar um ano que muita gente já dava como perdido no começo da pandemia. Em março, relatório anual da feira Art Basel, a maior do mundo, que acontece todos os anos na Basileia, na Suíça, apontava uma queda de 5% nas vendas em relação ao ano anterior. Aí veio a Covid, e todas as feiras internacionais cancelaram suas edições, enquanto galerias e ateliês fechavam. Agora, aos poucos, as vendas começam a voltar, influenciadas, no Brasil, por fatores como a queda da taxa de juros, atualmente em 3%. O tempo maior gasto dentro de casa, com colecionadores (antigos e novos) mais focados em suas paredes e corredores, também é citado como fator pró-mercado de arte.

— Com os juros baixos, a arte, como um imóvel, torna-se um investimento mais atrativo — observa Jones Bergamin, diretor presidente da Bolsa de Arte do Rio. — Acredito que as vendas estejam em 40% das efetuadas no ano passado. Por outro lado, a redução foi no volume de vendas, não no valor das obras, que está estável.

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Para Marc Spiegler, diretor global da Art Basel, o mercado dependerá não só da resposta da economia, mas de fatores como as medidas de segurança para viagens, o comportamento do consumidor e a rapidez das galerias e feiras para se adaptarem. Uma agilidade que a própria Basel precisou ter ao criar os On-line Viewing Rooms, plataforma digital que substitui as edições canceladas este ano em Hong Kong e na Suíça (a feira de Miami está confirmada para dezembro).

— Experimentamos novos modelos de negócios, mesmo sabendo que as plataformas digitais não podem substituir a experiência de ver arte pessoalmente — comenta Spiegler. — O que esperamos para os próximos anos são modelos híbridos, em que o digital e o físico se complementem, para atingir públicos mais amplos.

A fotógrafa Zanele Muholi na plataforma Online Viewing Rooms da Art Basel Foto: Reprodução
A fotógrafa Zanele Muholi na plataforma Online Viewing Rooms da Art Basel Foto: Reprodução

A ArtRio, que deve ser a única feira a acontecer fisicamente no Brasil este ano, em outubro, beneficiou-se do lançamento, há dois anos, do ArtRio Marketplace, plataforma on-line para venda de obras. Presidente da feira, Brenda Valansi vê na transparência do modelo outra razão para o crescimento do mercado digital.

— Muita gente fica reticente em perguntar preços nas galerias. Na plataforma digital, está tudo lá — explica Brenda. — Tivemos um aumento de 20% de vendas on-line e de 40% de acessos. É um momento de oportunidades, inclusive de aquirir obras de artistas que estão criando em menor escala ou em suportes mais baratos.

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Para o setor de leilões, a aposta também é na convergência entre digital e presencial. Uma das casas mais tradicionais do mundo, a Christie’s vem atingindo bons resultados com investimento em plataformas digitais, realidade aumentada e tours virtuais. Nas vendas privadas, os negócios cresceram 113% desde março em comparação com o mesmo período de 2019, segundo Alex Rotter, responsável pelo departamento de Arte dos Séculos XX e XXI.

— A pandemia nos fez expandir nossa oferta digital. Isso terá um papel ainda maior, de acordo com a evolução na forma de os colecionadores adquirirem e se relacionarem com a arte — observa Matthew Rubinger, chefe de Marketing Corporativo e Digital da Christie’s.

Diretor da galeria Nara Roesler, Alexandre Roesler vê uma mudança de comportamento na compra, que, segundo ele, ficou mais criteriosa. Com unidades fechadas em Rio, São Paulo e Nova York, ele avalia a parada forçada como forma de rever custos no modelo do negócio.

— Nossa rotina é uma roda-viva de feiras e exposições. Agora, desaceleramos e nos perguntamos: quais são os eventos fundamentais para estar presencialmente e quais podem ser feitos on-line?