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Cultura Artes visuais

'Mulheres radicais' leva a SP a criação revolucionária de 120 artistas latinas

Mostra chega à Pinacoteca após passar com sucesso por Los Angeles e Nova York
'Biscoito arte' (1976/1997), de Regina Silveira: mostra traz obras de 27 brasileiras
Foto: Divulgação
'Biscoito arte' (1976/1997), de Regina Silveira: mostra traz obras de 27 brasileiras Foto: Divulgação

SÃO PAULO — Quando iniciaram, em 2010, a pesquisa para a coletiva “Mulheres radicais: arte latino-americana 1960 — 1985”, as curadoras Cecilia Fajardo-Hill e Andrea Giunta se depararam com o ceticismo de seus pares, tanto pela abrangência do projeto quanto pelo recorte apresentado. Quase um ano depois de inaugurada no Hammer Museum, em Los Angeles, e de uma passagem vitoriosa pelo Brooklyn Museum, em Nova York, a coletiva se tornou um dos mais comentados eventos da temporada artística americana. Na opinião das curadoras, a mostra — que abre hoje na Pinacoteca de São Paulo, onde permanece até 18 de novembro — teve sua relevância reconhecida a partir das mudanças ocorridas no mundo nos sete anos em que a pesquisa foi feita.

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— Todos diziam que era uma péssima ideia, que não fazia mais sentido tratar estes temas agora — lembra a anglo-venezuelana Cecília. — Mas quando a mostra estreou, houve uma regressão de conquistas femininas em vários países, problemas migratórios, Trump foi eleito. Isso ressaltou a urgência e a vigência destas obras.

VIDEO As 280 obras de 120 artistas, oriundas de 15 países, que chegam à instituição paulistana incluem nomes de 27 brasileiras, como Lygia Clark, Lenora de Barros, Anna Maria Maiolino, Lygia Pape, Anna Bella Geiger, Letícia Parente, Regina Silveira e Márcia X. A mostra ganhou o formato atual a partir da escolha do corpo como forma de expressão e da crítica social como eixo curatorial.

— O mundo da arte é feito à medida do homem, ele pode ser artista em tempo integral. Já a mulher é, geralmente, quem cuida dos filhos, dos idosos. Sua criação se dá nestes intervalos — observa a ítalo-argentina Andrea. —Isso fez com que estas artistas utilizassem materiais e suportes menos convencionais, que eram acessíveis. Assim, elas desempenharam um papel fundamental em linguagens como a arte conceitual, a performance, a videoarte, hoje essenciais na produção contemporânea.

Autora do vídeo “Homenagem a George Segal”, no qual aparece escovando os dentes até uma massa branca envolver sua cabeça, a brasileira Lenora de Barros conta que, com o tempo, percebeu as múltiplas camadas da obra:

— Na época, queria fazer, não tinha consciência de tudo o que podia representar. Usávamos nosso corpo porque era o que estava à mão. E queríamos exercer nosso poder sobre ele, transformá-lo em arte.

'Y com unos lazos me izaron' (1977), acrílica da colombiana Sonia Gutiérrez Foto: Divulgação
'Y com unos lazos me izaron' (1977), acrílica da colombiana Sonia Gutiérrez Foto: Divulgação

Para Anna Bella Geiger, que integra a mostra com o vídeo “Declaração em retrato nº 1” e os postais de “Brasil nativo, Brasil alienígena”, a exposição levanta questões que, mesmo abordadas décadas atrás, seguem atuais:

— O mundo da arte sempre foi machista. Muita coisa mudou, mas continua assim. Na exposição, há artistas que sequer se posicionam como feministas, mas contribuem para este debate. Havia questões que vinham das lutas feministas nos EUA, mas que aqui ganharam outros contornos, por conta da repressão contra a qual lutávamos.

Curadora-chefe da Pinacoteca, Valéria Piccoli colaborou com Cecília e Andrea na montagem da coletiva:

— A mostra chega em um momento em que direitos que julgávamos ser garantidos passam a ser questionados. Por sua importância, ela ancorou a programação da Pinacoteca este ano. Voltamos nosso foco para a produção de mulheres, a exemplo da Valeska Soares, que está em cartaz, ou da Rosana Paulino, que terá uma exposição em dezembro.