Artes visuais
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Por , Em The New York Times — Nova York

Outro dia, em sua galeria nova-iorquinha, o artista Eduardo Kac mostrou seu trabalho à reportagem: um holograma codificado em uma lasca de vidro dentro de uma pequena caixa de metal. Este pequeno pacote é o ápice da carreira de Kac até o momento: um artefato criado em 1986 e que agora está, finalmente, prestes a encontrar um lar no espaço. No dia 8 de janeiro, ele estará a bordo do foguete Vulcan Centaur, que irá decolar de Cabo Canaveral, na Flórida, e entrar na órbita solar. Esta obra de arte holográfica — um “holopoema”, como Kac a chama — pode ou não ser descoberta daqui a centenas de milhares de anos por quaisquer criaturas que passem por lá.

Sereno, Kac (pronuncia-se Katz) abre com habilidade a caixinha redonda, com pouco mais de um centímetro de diâmetro.

— É de titânio 5 — diz ele, referindo-se à liga de titânio mais forte que existe.

O quadradinho de vidro lá dentro parece imaculado, intocado. Mas quando Kac o segura entre o polegar e o indicador e aponta um pequeno laser portátil para ele, a palavra AGORA aparece em sinistras letras verdes na parede oposta. É este o holopoema. Mas o nome gravado na parte externa da caixa de titânio é ÁGORA — uma distinção sutil, mas importante. Com o acento, a palavra muda de significado: vira “lugar”, o “local de encontro” da Grécia Antiga. (A ágora grega era semelhante ao fórum romano.) O holopoema, portanto, refere-se tanto ao tempo como ao espaço. Espaço/tempo. Em órbita perpétua ao redor do sol.

— Kac sempre se interessou por formas de distribuição radicalmente novas, mas agora levou sua pesquisa a outro nível — diz Stuart Comer, curador-chefe de mídia e performance do Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA. — Isso muda completamente a forma como pensamos sobre arte, linguagem e comunicação. Já que não estamos nos comunicando muito bem por aqui, por que não tentar no espaço?

O artista Eduardo Kac: trabalho que vai para o espaço — Foto: Balarama Heller/The New York Times
O artista Eduardo Kac: trabalho que vai para o espaço — Foto: Balarama Heller/The New York Times

Kac supõe que seu holopoema será eventualmente descoberto por espécies indeterminadas que ele chama de “homo spaciens”: pessoas do espaço. Quando? Ele não está com pressa.

—É como se você estivesse expondo em uma galeria e ninguém aparecesse para a inauguração — compara. — Mas a mostra é permanente, então você espera que com o passar do tempo as pessoas venham.

A principal preocupação dele parece ser não o tempo, mas o espaço.

— Colocar uma obra de arte no espaço profundo é uma tentativa de criar um espaço público — afirma ele, que já se dedicou outras vezes à construção de um espaço público, de uma ágora. — Agora, com este poema espacial, minha ágora é o universo.

Kac se aventurou pela primeira vez no espaço público e no mundo da arte aos 17 anos, no Rio de Janeiro, quando fundou o movimento de arte pornográfica com um amigo. Era 1980 e a ditadura militar chegava ao fim. Na verdade, o movimento não era pornográfico. Era ainda mais subversivo. Em seu “Pornograma 1”, por exemplo, Kac se esparramava nu e sedutor diante da câmera, com as pernas peludas abertas apenas o suficiente para revelar a representação bastante plausível de uma vulga. Quase tão radical era a ideia de atuar em público. Sob o regime militar, o espaço público não existia legalmente. Kac, então, vestiu uma minissaia rosa e fez apresentações de guerrilha na Cinelândia e na Praia de Ipanema. Teve alguns desentendimentos com a polícia militar, mas nada que não conseguisse resolver.

— Paulo Freire propôs a pedagogia do oprimido — diz ele, citando o filósofo de esquerda. — E também havia a teologia da libertação. Eu inventei a pornografia da emancipação.

Holograma "Ágora", de Eduardo Kac — Foto: Balarama Heller/The New York Times
Holograma "Ágora", de Eduardo Kac — Foto: Balarama Heller/The New York Times

Kac foi criado pelos avós maternos em Copacabana, na Zona Sul do Rio. Refugiados judeus poloneses que chegaram ao Brasil em 1939, eles apoiaram suas atividades pouco ortodoxas e financiaram a publicação de sua poesia sobre arte pornográfica. O avô foi até a gráfica para se certificar de que o trabalho estava bem feito.

— A questão para eles era: como esse garoto vai sobreviver? Com arte e poesia? O fato de eu trabalhar com o corpo e usar minissaia não os preocupava.

Na PUC-Rio, ele achou as aulas de arte e literatura insuportavelmente conservadoras. Optou pelo curso de comunicação porque queria ter contato com outras disciplinas, como sociologia, antropologia, semiótica, cinema, filosofia.

Em 1982, ingressou na tecnologia digital. Aos 12 anos, havia devorado uma enciclopédia que continha verbetes sobre cibernética, arte digital e holografia, cujo inventor, Dennis Gabor, havia acabado de ganhar o Prêmio Nobel de Física. Nos anos 1970, a arte digital era criada em um mainframe (computador gigante usado para processar grandes volumes de dados). Na década seguinte, porém, Kac já podia fazer arte em um computador pessoal ou no Minitel, serviço francês de videotex disponível no Brasil. Sua ágora já não era mais a Praia de Ipanema ou Cinelândia. Sua ágora era maior, mais ampla.

Exemplos da arte que ele fazia no Minitel pertencem agora às coleções do MoMA e do museu londrino Tate. Enquanto programava o Minitel, Kac começou a experimentar com holopoemas. Em 1986, conseguiu uma residência no Museu de Holografia de Nova York, onde criou “Ágora”. De volta ao Rio, tentou montar seu próprio laboratório de holografia, mas só se frustrou. Não conseguiu os materiais de que precisava. Seu laser parou de funcionar. Um dos mais avançados laboratórios de holografia artística ficava na Escola do Instituto de Arte de Chicago. Então ele se mudou para lá, defendeu um mestrado em Belas Artes em 1990 e começou a dar aula alguns anos depois. Continua no corpo docente até hoje.

Kac criou 24 holopoemas entre 1983 e 1993. Também começou a fazer experiências com telepresença e robótica, e depois com o que chama de “bioarte”, culminando na controversa Alba, a “coelhinha GFP”, um animalzinho albino e fofo que, graças a uma combinação sofisticada de genes, ficava verde fluorescente quando exposta a luz azul.

Enquanto isso, o entusiasmo com que a holografia foi recebida nas décadas de 1970 e 1980 foi desaparecendo. O Museu de Holografia fechou as portas em 1992. O C-Project, um programa ambicioso que contou com artistas como Louise Bourgeois e James Turrell, começou em 1994, mas foi encerrado cinco anos depois. Um segundo Museu de Holografia, em Chicago, durou até 2009. Hoje, a cena holográfica está no limbo. Houve uma exposição no New Museum, em Nova York, em 2012, e uma mostra do C-Project vai estrear no Getty Center, em Los Angeles.

— A holografia não está morta — diz Matthew Schreiber, artista que trabalhou no Projeto C e mantém seu próprio laboratório holográfico no Brooklyn, em Nova York. — Onde quer que esteja a tecnologia mais moderna, lá estará Eduardo Kac.

E esse lugar parece ser o espaço.

O primeiro trabalho de Kac a se aventurar além da Terra foi “Inner Telescope”, uma escultura de papel desenvolvida sob os auspícios do braço cultural do Centro Nacional de Estudos Espaciais da França e realizada em 2017 por Thomas Pesquet, um astronauta a bordo da Estação Espacial Internacional. Kac levou 10 anos para conseguir isso. Um pequeno trabalho em vidro, “Adsum”, está planejado para a superfície lunar em 2025. Se o foguete Vulcan Centaur for lançado dentro do prazo, em 8 de janeiro, e entrar com sucesso na órbita solar algumas semanas depois, Kac terá finalmente alcançado o objetivo definido para “Ágora” ainda em 1986.

— É uma obra concebida para o espaço profundo — diz ele. — Desde aquela época, venho tentando encontrar uma maneira de completá-la.

Será a viagem inaugural do Vulcan Centaur. O sistema do foguete foi desenvolvido pela United Launch Alliance, com sede em Centennial, no Colorado, uma parceria da Lockheed Martin Corp. e da Boeing Co. que compete com a SpaceX e outras empresas por contratos da NASA e do Departamento de Defesa americano. Sua principal carga será um módulo lunar programado para se separar do estágio superior da nave 92 minutos e 20,9 segundos após a decolagem para fazer uma entrega lunar para a NASA. O foguete e seu adaptador avançado continuarão no espaço profundo, orbitando o sol com uma “carga memorial” para a Celestis, empresa sediada em Houston que envia restos mortais humanos para o universo.

Entre os companheiros de viagem do holopoema, estão os restos mortais do astronauta da Apollo 14 Philip Chapman, do criador de “Star Trek” Gene Roddenberry e de sua esposa, Majel, e dos atores que interpretaram os três personagens principais na série original: Tenente Uhura, Tenente-comandante Scott e Dr. “Magro” McCoy. A relação entre “Ágora” e a ficção científica é apropriada.

— Ainda estou impressionada com a tecnologia que Eduardo usa de forma tão brilhante neste trabalho — afirma Jenny Moore, que foi curadora da mostra de holografia no New Museum e agora dirige o Tinworks Art, um novo espaço de exposição em Bozeman, Montana.

Moore acrescenta que é “uma época maravilhosa para atingir esse feito”, na esteira do extraordinário sucesso do Telescópio Espacial James Webb, cujas imagens nos aproximam cada vez mais do momento do Big Bang. No entanto, aponta Moore, mesmo em órbita, a obra ainda não estará completa.

— “Ágora” será percebida por outras entidades? Como? Até lá, seu potencial ainda não está completamente realizado.

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